quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Do Sonho à Realidade

Muitas das críticas dirigidas nos últimos ao governo federal do PT têm um tom de desilusão em relação ao que foi feito pelo Partido na incumbência do Executivo da União. Cabe aqui uma discussão em duas frentes. Primeiro, se o tom é claramente de desilusão, de rompimento com uma esperança, antes deve haver uma esperança. Significa que, para aqueles que querem uma transformação da sociedade e não concordam com o modo como as coisas estão, o PT representava a possibilidade dessa mudança. E por que o PT deixou de ser, para algumas pessoas, o símbolo de uma transformação possível? Em essência, porque o PT passou a realizá-la. O Partido passou, é verdade, por uma mudança profunda nos últimos anos, mas se atentarmos para as suas principais características, ele continua sendo o representante das classes trabalhadoras no Brasil. Observando o Partido enquanto organização da sociedade civil e não para sua expressão estatal na política eleitoral e nos cargos executivos e legislativos, percebemos que seus principais quadros ainda vêm das camadas trabalhadoras ou pobres da sociedade; que o Partido se liga a entidades reivindicatórias de caráter revolucionário, como as questões LGBT, feministas, campesinas ( MST, apesar dos pesares), trabalhistas (CUT) e outros; que o Partido se faz presente nas lutas políticas em outras esferas que não a do Estado do lado daqueles que são prejudicados pelo status quo, por exemplo, no importantíssimo trabalho que o seu Diretório Zonal do centro de São Paulo faz junto da FLM por moradias no centro da Capital; e em outros tantos momentos. A segunda questão colocada é o porquê do PT ter sofrido essa transformação que teria desiludido a tantos. Não é da pretensão deste artigo fazer uma longa dissertação acadêmica exaustiva e conceitual sobre este assunto, mas existem alguns pontos que podem ser enfatizados; o leitor encontrará alguns textos na bibliografia que o podem fazer de modo mais aprofundado. Uma discussão antiga dos pensadores da política brasileira se refere a problemática da governabilidade. Grosso modo, podemos dizer que governabilidade é a capacidade da máquina governamental, em suas diversas esferas, funcionar sem ser travada por lutas intestinas. Se refletirmos sobre esta grosseira definição, podemos observar que o Estado está, de certa forma, alheio (no sentido de ser estranho a) qualquer um nas suas entranhas, seja nos cargos do Executivo (do Presidente ao Prefeito), nos diversos ramos do Legislativo ou até mesmo na máquina burocrática (os funcionários públicos). Portanto, aqueles que estão no poder são submissos nos seus cargos, por diversos motivos, seja pelas limitações institucionais (a Constituição, por exemplo), seja pelo modo como se chega ao Estado. Na verdade, o que dissemos sobre o Estado em grande medida também é válido para a sociedade. Cada um vê a sociedade como algo distinto de si e não como seu produto, o que é especialmente verdadeiro no campo da economia (é por aqui que vem a definição marxista estrita do conceito de alienação). Vendo por este ângulo, o que o PT teve que fazer para mudar a realidade é adotar um certo pragmatismo para que fosse possível a transformação da realidade. O nascimento deste pragmatismo de esquerda pode em parte ser traçado, no caso brasileiro, até a revisão da posição dogmática do PCB nos anos que antecederam o Golpe de 64 e nos anos posteriores, na revisão da posição militarista adotada por grupos da esquerda nacional influenciados pelo foquismo (MR-8, PCdoB e tantos outros heróis que enfrentaram a Ditadura Militar de armas em mãos). Nesta visão (não estamos utilizando o conceito e sim a palavra apenas), o pragmatismo é uma visão realista da conjuntura e a escolha do melhor ramo de ação dada a realidade, guiada sim por uma profunda inspiração idealista. Ainda sim, não podemos negar que muitas das atitudes do PT deixam a desejar para aqueles que sonham com uma profunda transformação da realidade. É válido perguntarmo-nos como é possível, nesta realidade, realizar um sonho. Não existe uma resposta clara e absoluta, mas através do que expomos e de muito mais, podemos, em parte, responder a esta questão da seguinte maneira: militando e fortalecendo a posição do proletariado (senso-comum) no Estado e na sociedade.Desta maneira, a luta de classes, se entendida como realidade em si, se converte em uma luta em duas frentes: uma difusa, na sociedade (nas campanhas salariais, na luta por terra ou moradia e etc.) e outra concentrada, no Estado (atualmente, nas eleições, principalmente). É especialmente nesta segunda esfera que um Partido como o dos Trabalhadores se faz tão necessário. Pois ele exprime um momento da contradição capitalista no Estado; ele é a expressão das classes desfavorecidas pelo status quo. Por isso e muito mais, termino este artigo com o seguinte apelo: votem nos candidatos do Partido dos Trabalhadores e aliados, principalmente nos do Legislativo (Dep. Estaduais e Federais e os Senadores).


BIBLIOGRAFIA (utilizada ou recomendada):

site da FLM: http://www.portalflm.com.br/
SCHUMPETER, J. 1984. Capitalismo, Socialismo e Democracia. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura
DAHL, R. 1997. Poliarquia: Participação e Oposição. São Paulo: Edusp
NICOLAU, Jairo Marconi, 1999. Sistemas eleitorais: uma introdução. Rio de Janeiro: FGV.
MARX, Karl, 2003. A Questão Judaica. Editora Centauro
ENGELS, Friedrich. "Introdução" in Karl Marx e Friedrich Engels, 1982. A luta de Classes em França. Lisboa: Editora Avante






terça-feira, 10 de agosto de 2010

A universidade pública forte

VLADIMIR SAFATLE

A universidade pública forte


O nosso sistema universitário público merece fazer parte do debate eleitoral


Nestes últimos anos, um dos fenômenos mais dignos de nota foi o fortalecimento da universidade pública graças a um importante ciclo de expansão e interiorização do sistema federal. Tal fenômeno merece estar presente na pauta do debate eleitoral que se inicia.
Em 2002, as universidades públicas federais encontravam-se em situação terminal. O deficit de professores necessários para simplesmente conservar o sistema tal como era nos anos noventa chegava a 7.000. Talvez alguns se lembrem do caso de universidades que precisaram limitar sua atividade noturna por não ter dinheiro para pagar conta de luz.
No lugar das universidades públicas, vimos uma política que incentivava a proliferação de universidades privadas, em larga medida, dissociadas do tripé pesquisa/docência/extensão e cuja qualidade, até hoje, não passou o estágio do duvidoso.
É bem provável que esta experiência tenha mostrado que o sistema privado sai-se muito bem quando é questão de criar centros direcionados à formação para o mercado (como escolas de administração de empresas, publicidade, comunicação, economia, entre outros).
Mas, excetuando as universidades confessionais, os resultados são ruins quando se trata de implementar sistemas universitários complexos capazes de atrair profissionais dispostos a desenvolver habilidades de professor, pesquisador e divulgador de conhecimento.
Alguns criticam o processo recente de ampliação e fortalecimento da universidade pública afirmando que se tratam de universidades caras e de baixa capacidade de absorção das exigências de empregabilidade. No entanto, o sistema universitário público brasileiro é, em larga medida, adequado para os desafios do nosso futuro. Ele garante autonomia de pesquisa ao corpo docente, flexibilidade relativa de escolha de disciplinas para alunos (o que permite particularização da formação), além de abertura para a constituição de estruturas interdisciplinares.
Não precisamos discutir o modelo universitário público, mas aprofundá-lo, permitindo que ele democratize seus modos de gestão, de decisão e que enfim desenvolva todas suas potencialidades e pluralidades.
Por exemplo, vez por outra, aparece alguém afirmando que seria melhor às universidades públicas terem ligação mais profunda com o mercado, um pouco como certas universidades norte-americanas, cuja boa parte de suas linhas de financiamento depende da capacidade em captar recursos da iniciativa privada.
No entanto, seria interessante perguntar a estas pessoas quem então pagará pesquisas que visam mostrar a ineficácia de tratamentos do sofrimento psíquico baseados na medicalização. Certamente, não a indústria farmacêutica. E quem pagará as pesquisas que mostram a participação do empresariado nacional na Operação Bandeirantes e no financiamento do aparato repressivo da ditadura militar? Certamente, não o empresariado nacional. E quem pagará as pesquisas que visam expor os resultados catastróficos da liberação das ações do sistema financeiro em relação à tutela do Estado? Certamente, não os bancos.
Estes são apenas alguns exemplos de limitação do espectro de reflexão da universidade caso um novo modelo se imponha e caso relações de parceria entre mercado e universidade se transformem em confissões de dependência.

VLADIMIR SAFATLE é professor no departamento de filosofia da USP