quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Instituições Políticas e Governabilidade *

Por Arthur Silva

No ensaio de Figueiredo e Limongi - Instituições Políticas e Governabilidade - os autores buscam realizar uma comparação entre os períodos democráticos de 1946-1964 e pós-1988. A questão central do texto gira em torno da governabilidade, procurando refutar posições difundidas da falta desta no arranjo institucional brasileiro. Para tanto, razões institucionais tidas amplamente como motivos para a ingovernabilidade – fragmentação e indisciplina partidárias, presidencialismo como incapaz de forma governos de coalizão, como exemplos – são discutidas. Sinteticamente, as duas experiências democráticas seriam iguais se apenas a diferença entre presidencialismo e parlamentarismo e a legislação eleitoral (que influí no número de partidos existentes e na disciplina partidária) fosse determinante – já que nestes pontos as duas democracias são muito semelhantes – e a observação empírica demonstra que não o são. A tese principal é de que há governabilidade, pois o processo decisório centralizado transfere “poder de propor” para o Executivo.
Entre os dois períodos democráticos comparados, as principais diferenças institucionais são as maiores prerrogativas legislativas do Executivo (em especial as Medidas Provisórias) e os líderes partidários, reunidos no Colégio dos Líderes. Em comparação com o período de 1946-64, o Executivo pós-1988 possui maiores poderes legislativos, principalmente iniciativas exclusivas para projetos de leis orçamentárias e sobre matéria tributária, projetos de emendas constitucionais, solicitar a urgência dos projetos de lei e impor restrições a emendas orçamentárias (p. 151). Mas a mais importante adição aos poderes legislativos do Executivo foi a possibilidade de editar decretos com força de lei, as Medidas Provisórias (MP). Através desta, o Executivo força o Legislativo a ter que decidir não mais entre o status quo presente e um possível status quo futuro, mas entre um status quo já alterado e o um novo estado das coisas em que a lei foi refutada (p. 152), além de dar ao Executivo amplo poder de agenda sobre o Legislativo com os prazos de votação das MP. É importante salientar que, com as MP, o Executivo não “passa por cima” simplesmente do Legislativo, pois estas ainda têm de ser amplamente discutidas com a maioria. As MP não implicam conflito, mas sim uma ação conjunta do governo e de sua maioria (p. 153). Com respeito aos líderes, é possível, quando se compara os Regimentos Internos das Câmaras dos dois períodos (p. 155), observar um nítido aumento de sua importância, especialmente com a prerrogativa de representar toda a sua bancada (votar por toda a sua bancada).
Um processo decisório centralizado influí no desempenho do Legislativo no presidencialismo, no sentido de neutralizar ou mitigar os efeitos que teriam a separação dos poderes, fragmentação partidária e os incentivos ao “voto pessoal” (p. 156). Para demonstrar esta tese, os autores recorrem aos índices de dominância e sucesso legislativo do Executivo, maiores com os presidentes do atual período do que nos presidentes de 1946-64. O tamanho da bancada apoiadora do presidente ou sua capacidade de barganha não são absolutamente fundamentais para esta dominância e sucesso, já que estas possuem bases institucionais. Novamente, é necessário se ter em conta que o Executivo não tem como simplesmente contornar o Executivo (p. 162); uma maioria sólida no Congresso poderia derrubar uma MP. Além disso, as MP são mais úteis para a barganha horizontal com a base aliada do que como arma contra o Congresso, e até o PEC 32 eram reeditadas com apoio tácito ou explícito do Congresso (p. 168). Vale à pena ressaltar também que as MP legislam principalmente sobre questões econômicas (p. 163), podendo-se até dizer que o Congresso delegou ao Executivo a direção da Economia (p. 164).
Outra questão é trabalhada – fragmentação e indisciplina partidárias. O maior controle de agenda por parte dos líderes partidários garante maior centralização do processo legislativo, o que significa que membros individuais do Congresso têm menor capacidade de influência. Esta diferença dos Regimentos Internos dos dois períodos também tem peso sobre a coesão dos partidos, sobre o padrão de formação de coalizões e sobre o apoio ao governo (p. 169) que são demonstrados pela discrepância dos índices de semelhança na agenda do Executivo nas votações nominais entre os governos de 1946-64 e pós-1988.
De forma semelhante aos parlamentarismos multipartidários, na democracia pós-1988 o presidente “forma um governo”, ou seja, distribuí ministérios em troca de apoio legislativo dos partidos (p. 176). À coalizão ministerial corresponde uma coalizão legislativa que atua em sintonia e apoio às posições do governo, lembrando que o governo negocia o apoio partidariamente e não individualmente (p. 180). As coalizões não se organizam em bases estaduais e sim partidárias, ao contrário do que uma visão do federalismo como entrave à governabilidade defenderia.
Não há obstáculos institucionais para o Executivo, apenas políticos, o que é saudável em uma democracia (p. 183). Os autores encerram concluindo que o sistema político do Brasil não é um sistema perfeito nem ideal, como nenhuma democracia o é, e que se deve afastar duas posições extremadas: uma, de que o sistema político brasileiro encarna tudo o que há de mau e de que toda reforma é essencialmente boa e outra de que existam fórmulas prontas e acabadas a adotar (p. 189).

(*) Resenha escrita para a disciplina de Política IV (ministrada pelo professor Limongi) do Departamento de Ciência Política da FFLCH-USP com base no ensaio de LIMONGI, Fernando e FIGUEIREDO, Argelina: Instituições Políticas e Governabilidade (2007) in MELO, Carlo Ranulfo e SÁEZ, Manuel Alcântra (orgs.): A Democracia Brasileira - Balanço e Perspectivas para o Século 21 (2007), Belo Horizonte, Editora UFMG

Um comentário:

  1. por acaso voce tem outras resenhas da materia? se tiver entra em contato comigo no priscilla.sbarra@hotmail.com

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