quarta-feira, 30 de junho de 2010

A Reforma Política

Esta segunda dia 28 de Junho de 2010, o programa Roda Viva entrevistou a candidata à presidencia da República Dilma Roussef. Foi, como disse Heródoto Barbeiro, "a última entrevista de uma série com os 3 candidatos melhor colocados na corrida presidencial". Nesta entrevista, a candidata que hoje está na dianteira das pesquisas, a "sucessora de Lula", tocou em alguns temas muito importantes em discussão. Um é a reforma tributária, tema que não será abordado nesta postagem. O outro é a reforma política, tema cuja importância é elementar, e que será ponderado agora.
Após 20 anos de democracia, os jornalistas, acadêmicos e políticos ainda falam exaustivamente na chamada "reforma política". Do que se trata? Em geral, falar em reforma política significa pregar a alteração nas "regras do jogo". Em outras palavras, significa alterar as leis eleitorais. Claro que mudar para um sistema parlamentarista não deixa de ser uma alteração no sistema político, mas o que se fala hoje em dia nos ambientes acadêmicos e jornais especializados é muito menor, e ainda muito difícil de ser conseguido, que é aperfeiçoar o processo eleitoral.
Neste tema, muito se é falado, desde mudar o sistema eleitoral legislativo para o formato distrital (em decorrência do proporcional aplicado hoje), dentre outras inúmeras propostas. Todas possuem defensores e atacantes. Duas propostas, no entanto, possuem uma relativa unanimidade, ao menos no meio acadêmico. São o voto em lista fechada e o financiamento público de campanha.
Sobre a lista de votos, existem basicamente três sistemas de votação para a eleição do legislativo. Há o voto em lista aberta, no qual o eleitor vota em um nome, um candidato específico à Camara dos vereadores, deputados estaduais e federais; o voto em lista fechada, no qual ele vota em um partido, e este possui uma lista própria de quem são os candidatos que assumirão, dependendo da votação. Existe ainda uma terceira modalidade, a mista, que são na verdade variações entre o primeiro e o segundo modelo. Mas o voto em lista fechada é praticamente uma unanimidade para os cientistas políticos. Por que? Ora, parece um contra-senso. Atualmente as pessoas tem um grau baixo de confiança nos partidos políticos. Isto é praticamente uma herança latino-americana, onde o personalismo do poder, o coronelismo e o populismo são fenômenos tão recorrentes.
A razão da defesa do foto em lista fechada parte exatamente destes fatores. Com o partido decidindo quem são seus candidatos, diminuirá muito o poder pessoal destes. Forçaria-se na campanha a ideologização dos partidos, e ao invés de se mostrar aquela lista infindável de candidatos engraçados, chamativos ou sisudos, o partido teria de mostrar seu programa de governo, suas propostas, seu projeto político. Fenômenos como "malufismo", "getulismo", "lulismo" e outros seriam impossíveis em eleições legislativas, já que seus nomes seriam apenas mais um nos "pacotes" propostos pelos partidos, por ordem de interesse e competência.
Em uma reforma bem sucedida, reduz-se a "politicagem": o número de políticos que são eleitos por chinelos, aparência, ou trejeitos engraçados; e aumenta-se o número de políticos técnicos, preparados para executar o projeto político dos partidos. Muitos podem dizer que não confiam nos partidos. Ou dizem "como você pode votar neste partido se fulano foi envolvido neste escândalo?". Mas é exatamente este o pensamento. Os partidos pegam nomes "fortes" como Clodovil ou Cãozinho dos Teclados, pois não possuem obrigação de prestar contas com os seus projetos ideológicos e os seus votantes. Em outras palavras, todos sabem quem é o Collor, mas alguém se lembra qual é o partido dele?
Além desses fatores, a lista fechada consiste numa simplificação do sistema eleitoral. Bem ou mal, a maior parte dos eleitorados do mundo vota nas eleições e depois esquece o candidato em quem votaram. Apesar das críticas por parte da mídia e pelo senso comum, estatísticas mostram que esta não é apenas uma realidade brasileira, mas praticamente mundial. Pessoas tem suas vidas, e elas não querem gastá-las fiscalizando seus deputados se elas tem que trabalhar no dia seguinte. É triste, mas é a realidade! Deve-se lidar com isso, não ficar desejando uma postura angelical de todos os eleitores de um país de 190 milhões de habitantes. É mais fácil o cidadão se lembrar e cobrar uma postura dos partidos em que votaram do que de nomes particulares.
Pelas razões expostas a lista fechada é adotada na maior parte dos países desenvolvidos e democraticamente estáveis, especialmente os de sistema proporcional, no qual as minorias tem forte representação (como no Brasil). O PT faz atualmente uma composição com PSDB e DEM, a oposição (!!!), para aprovar uma reforma defendendo a lista fechada, para se ter noção da unanimidade que ela representa para a ciência política. Em oposição vem os políticos mais coronelistas, personalistas, de partidos menos definidos ideológica e programáticamente como o PMDB, PP, etc.
Por último, gostaria de falar da outra reforma, esta precisando de muito menos explicação. É o financiamento público de campanha. Ela é exatamente isso que se propõe, o Estado paga as propagandas políticas dos partidos. Os cidadãos menos estudados na ciência política podem se levantar com um grito "como!? Era só o que faltava pagar campanha de político com imposto". Na verdade, o financiamento público tem benefícios que o tornam também uma semi-unanimidade.
Todos sabem da participação de lobbies, empresas, sindicatos, fazendeiros, ONG's, ou o que seja nas campanhas políticas. O financiamento público é uma medida que proíbe a participação destes terceiros, impondo desde já uma quantidade definida de dinheiro que o partido pode utilizar para eleger seus candidatos. Primeiro, afasta-se em muito a influência de personagens não-políticos. Depois, esta é uma medida extremamente efetiva de combate à corrupção, muito do desvio de dinheiro ou favorecimento em licitações se dá em razão do dinheiro da quantidade de recursos que o candidato terá para se eleger.

Expondo esses dois tópicos, este autor se despede de vós. Quero, ao contrário da grande mídia, deixar bem clara minha posição, para que ela possa ser elogiada ou criticada. Este blog é A FAVOR das duas reformas, e espera que os candidatos eleitos, seja qual forem, possam participar deste aperfeiçoamento da democracia brasileira.

Por Lucas G. F. F. Lima

sábado, 26 de junho de 2010

A "Descoberta" e a Ciência

Debaterei brevemente sobre a formulação de teorias e a influência das chamadas "descobertas", relacionando, quando possível, com a sua influência na sociedade.

Desde muito, todos acreditam que Pedro Álvares Cabral não descobriu o Brasil em 1500. Apenas uma corrente da historiografia nacional, tida como mais tradicional, admite ainda essa hipótese. Mas a palavra "descoberta" ainda está arraigada em uma concepção ampla de como funciona o processo de alargamento do conhecimento. Esse fato tem um peso especialmente importante quando se trata das sociedades e da vida do homem, de forma mais genérica.

O que é que se entende por "alargamento do conhecimento"? Pressupõe-se, por exemplo, um avanço contínuo em uma escala do conhecimento humano em geral? Admitamos essa vulgata como sendo a mais generalizada no chamado "senso-comum". Antes de mais nada, esse pressuposto passa necessariamente por uma capacidade do homem de apreender plenamente o real. Passando por cima de toda a discussão epistemológica (como o debate entre Kant e Hume) e existencialista (Sartre, por exemplo), mesmo assim, é-se obrigado a aceitar que tal afirmação é, no mínimo, complicada de se confirmar, dado a complexidade do tema por si só. Também devemos levar em conta o modo como este "alargamento do conhecimento" se dá. A sua forma é dada pela história e pela cultura; basta se atentar para os diferentes grupos humanos que foram tidos como os legítimos para tal função na história européia, os filósofos greco-romanos, a Igreja Católica, os acadêmicos e etc. É justamente neste ponto que Kuhn trabalhou seu "Estrutura das Revoluções Científicas"; existe, para toda sociedade e cada tempo, um conhecimento que é tido como legítimo. É fácil de se verificar essa afirmação se observarmos que toda vez que um grupo de legítimos produtores intelectuais suplantou outro na história européia, essa suplantação tratou-se da negação de toda produção intelectual anterior ou sua total reformulação.

Apesar de não o parecer em um primeiro instante, o exposto acima tem grandes conseqüências para a vida cotidiana. A cosmogonia de cada sociedade é o modo como esta como um todo entende a realidade. Assim, a discussão entre o heliocentrismo e o geocentrismo teve importantes conseqüências na sua época na história ocidental, o que, aliás, reforça a tese levantada anteriormente sobre os grupos de produção intelectual tidos como legítimos. Com relação ao conhecimento que o homem tem do homem, a importância desta discussão se torna ainda mais patente. O primeiro tema seria responder a pergunta "o que é o homem?". A antropologia, especialmente com Franz Boas, demonstraria que quase todas as sociedades colocaram nos seus limites o limite da humanidade, fato conhecido como etnocentrismo. Ainda mais: Pierre Clastres mostraria com que dinâmica o etnocentrismo se desenvolveu na sociedade ocidental, mostrando a que conseqüências essa levou. O antropólogo denominou de etnocídio a destruição dos modos de ser de uma sociedade e afirmou que a sociedade ocidental é etnocída por excelência. Para entender essa questão, basta atentar para o fato de que o cristão "ideal" divide o mundo entre fiés e infiés, mas todos são humanos, e é dever todos os "bons cristãos" converter aqueles que não o são. É a discussão de Kuhn com relação aos produtores intelectuais legítimos, mas transposta de seu eixo histórico para um eixo étnico, ou seja, entre sociedades. Aliás, aqui entrevemos o perigo do "correto". Na lingüística, a discussão sobre o "bom português" passa essencialmente por essas idéias e o mesmo se dá na estética, como Lukács mostra. Por fim, Marx em "Ideologia Alemã" cunha, sobre um tema semelhante, a famosa afirmação, de que "as idéias de uma época são as idéias de sua classe dominante".

A discussão pode ainda ser trazida para o debate nacional. A economia, por exemplo, em seu modelo atual encaixa-se na chave interpretativa exposta. No "Capital", Marx faz uma discussão semelhante quando trata do conceito do fetiche, especialmente em relação aos economistas políticos clássicos, como Mill. Para colocarmos essa discussão na contemporaneidade, basta pensarmos em como, para alguns economistas nacionais e em especial Delfim Netto e seus seguidores, os investimentos externos e a exportação se converteram em uma espécie de Santo Graal que a sociedade brasileira deve buscar. As teorias que o afirmam fundamentam-se, é claro, em algum tipo de modelo cartesiano empirista, o que as dá um forte senso de "real". É dessa forma que uma legitimidade social é transubstanciada em uma legitimidade epistemológica. Neste campo, não podemos negá-la. Ainda assim, podemos atentar para o fato de que toda teoria é um conjunto de ênfases sobre o real, conjunto de ênfases escolhido com vistas ao fim para o qual a teoria é formulada, consciente ou insconscientemente, se podemos dizer assim. Fazendo uma analogia com a história da Física, o embate entre o heliocentrismo e o geocentrismo pode ser entendido como o embate entre duas ênfases sobre o real postuladas por dois grupos de produtores intelectuais que rivalizavam no papel de legítimos para a sociedade, dado que cada conjunto de ênfases atendia às diferentes necessidades culturais de classes sociais que disputavam a hegemonia naquela sociedade. Voltando para a questão da economia nacional, as teorias econômicas que dão preponderância para o desenvolvimento, em especial aquele que depende de investimentos estrangeiros e as exportações, atendem às necessidades culturais daqueles industriais e grandes latifundiários que daí tiram seus gordos lucros. Toda classe, para manter seu poder social sobre uma sociedade, deve convencer as outras classes de que são as suas necessidades materiais as necessidades da sociedade como um todo. O confronto entre idéias, que muitas vezes pode parecer meramente intelectual ou acadêmico, pode ser, e o é em muitos casos, um confronto material dentro da sociedade. É por isso que, para entender a dinâmica das idéias, devemos buscar a resposta na realidade material da sociedade.

Mas a sociedade não é uma estrutura rígida imune a transformação. Podemos, de forma grosseira, dividir a vida coletiva do homem em duas esferas: a social, e portanto, material, e a cultural. Discutir em qual das esferas se opera a ação histórica é como discutir se o ovo ou a galinha vieram primeiro; podemos, quem sabe, admitir como sendo contemporâneas as transformações. De qualquer modo, essa discussão escapa ao foco deste artigo. A questão é, dada a discussão exposta até aqui, o que é teoria crítica? Criticar é propor um novo enfoque para a realidade, olhando-a sobre um novo ângulo. Os teóricos críticos atendem às necessidades culturais dos grupos sociais que estão à margem do poder social. É verdade que a própria cultura oferece os caminhos alternativos a ela mesma. Em outras palavras, existem modos estabelecidos pela própria sociedade para se ir contra a sociedade pelos membros desta. Para um exemplo concreto, basta atentarmos para os movimentos contra-culturais, tão caros a juventude, como os punks e outras das chamadas "tribos urbanas". São modos tolerados de se rebelar de maneira organizada contra o status quo. Poderíamos ir além e nos perguntarmos se a própria Universidade não se encaixa aqui. Mas, ainda assim, devemos admitir que existe um peso na discussão cultural e o que o mero fato desta existir já pressupõe em si a presença de uma vitória na luta social. Deste modo que Gramsci concebe o trabalho do crítico e Engels enxerga a necessidade pela da luta pelo sufrágio universal. A revolução se torna, assim, o trabalho de fazer todos que vêem o mundo pela direita enxergarem-no, ao menos uma única vez, a partir da esquerda.


segunda-feira, 14 de junho de 2010

Desenvolvimentos Históricos: Centrais Sindicais como Sujeitos Dialéticos

Pretendo fazer uma curta exposição de uma discussão que creio ser mais profunda do que a superficialidade de um artigo de blog pode deixar desenvolver. Como pretexto argumentativo, discorrerei sobre as Centrais Sindicais.

Alguns setores de esquerda ou do sindicalismo costumam taxar a CUT de pelega. Os argumentos que citam para tal são dos mais variados, e, para evitar uma pesquisa mais extensa, aludirei apenas a uma vulgata que acredito expressar algo como um meio termo simplificado da idéia central deles. O eixo central geralmente gira em torno da ligação da Central com o partido incumbente. Costuma-se, durante as argumentações, desenvolver-se um processo histórico no qual a CUT é retratada. Em um período, geralmente entre o final da década de 1970 e o começo dos anos 1990, aparece como protagonista da luta trabalhista no Brasil. A CUT é, para nossos idealizados contestadores, caracterizada como uma das representantes das classes que não controlam a ordem social, em sua expressão trabalhista (talvez, desenvolvimento organizado do proletariado mesmo). Implícita ou explicitamente, o PT é definido como sendo a expressão política no mesmo período. Variando de fonte para fonte, um momento de transformação é colocado, geralmente posicionado em meados da década de 1990 ou em pouco antes de 2002. Neste instante, o PT e a CUT teriam se rendido ao grande capital ou às regras "do jogo", acabando com seu vanguardismo revolucionário. O PT e a CUT, sem nenhuma realização, agora são mais instrumentos na mão da burguesia na luta de classes. O desenvolvimento dialético teria regredido ainda mais na luta entre proletariado e burguesia, já que a sociedade encontra-se agora ainda mais "alienada" (no sentido mais vulgar do marxismo vulgar) do que nunca, enganada por um partido e uma central que se dizem "dos trabalhadores" sem o serem de fato.

Analisemos a vulgata criada mais pormenorizadamente. O processo é, grosso modo, dividido em dois momentos. Em um deles, o PT é protagonista, em outro, antagonista. No momento em que o PT se torna antagonista, a CUT, sua associada, também se torna. O primeiro momento retrata o final do Regime Militar, momento em que a contradição das classes é, aliás, evidente no Estado, controlado pelos militares com óbvia tendência por uma classe (não caberá aqui uma análise classista do Regime Militar; paremos por aqui). Durante os anos entre 1979-1985, víamos as primeiras crises pós-Milagre Econômico e as primeiras respostas neoliberais a estas, o que evidenciaria a contradição no trabalhismo e em outros campos. O seu posterior desenvolvimento, durante o governo Sarney, também evidencia e aguda ainda mais as múltiplas manifestações da luta classista. Não se associam aqui a formação dos sindicatos ou o fortalecimento das pastorais com essa evidência, apesar de existir sim certa correlação, mas antes enxerga-se nesse processo mais uma constatação do exposto até aqui. Por onde se olha, não só a evidenciação da contradição é clara, como o protagonismo dialético do PT e da CUT também o é. Assim, podemos entender como qualquer analista é obrigado a admití-lo e, muitas vezes, sacralizá-lo com certa nostalgia.

Continuando no momento seguinte, em algum ponto, talvez exposto em um caso, como as eleições de 2000 ou 2002 (em geral, muito antes), o PT teria se tornado um instrumento nas mãos da burguesia. Apenas em uma questão de tempo, geralmente quando Lula é eleito, a CUT também se torna, costumeiramente agravado pelo fato de esta se tornar um instrumento estatal da luta de classes em prol da burguesia. A análise da vulgata dividi-se aqui em dois pontos. Em um ponto, o PT transforma-se, o que seria evidente nas dissenções partidárias. O partido teria se integrado de uma outra maneira com a sociedade. Antes de tudo, faz-se necessário aludir ao fato de que a própria sociedade se transformou. Não só o contexto global, com o fim da Guerra Fria e a Nova Ordem Mundial, mas também o próprio modo interno da sociedade brasileira. Não procurarei definí-lo de maneira pormenorizada, mas podemos inferir uma clara mudança, que se expressa de múltiplas maneiras. De modo geral, as instituições positivas da sociedade, suas manifestações concretas como os sindicatos, igrejas, associações de bairro e até mesmo as empresas , ao menos no discurso, se tornam mais democráticas, em tantos sentidos quantos os que puderem ser dados a essa palavra. A importância do discurso de democracia é quase universal durante o século XX, mas no despontar do século XXI ele adquire um novo sentido, que não pretendo precisar aqui, mas que, de certo modo, podemos entender como um humanitarismo, sensível na mídia com a importância da questão ambiental e da iniciativa individual nesse campo. É, com certa extrapolação, a idéia que muitos pensadores têm, como o brasilianista norte-americano Thomas Skidmore. No campo político, essa transformação poderia ter se manifestado como uma maior abertura do Estado brasileiro à Sociedade Civil. Essa abertura não é, obviamente, plena. A Sociedade Civil não passou a deter o absoluto controle do Estado, que de certa forma continua alheio a esta. Mas, sobretudo, as contradições da própria Sociedade Civil encontram no Estado mais um meio de expressão, e vice-versa. Vale a pena ressaltar ainda que Sociedade Civil e Estado também são dois momentos de realização de um conceito, mas deixemos essa complexa discussão para outro artigo. Voltando a questão em pauta, a transformação que o PT operou em si mesmo, pautada em muitos âmbitos, foi como se fosse de linguagem. O PT passou a expressar-se politicamente em outra língua, em outra esfera. O PT é a expressão de um termo da contradição da Sociedade Civil no Estado, limitado pelas contigências dessa expressão mais ampla e anterior logicamente. Acima de tudo, tal como as eleições, é uma das expressões. Nem a final, nem a mais ampla, nem a mais fetichizada: limitada, tal como todas as outras. Deste modo, caem por terra interpretações de uma esquerda paternalista que vê no povo brasileiro, tal como a direita, um ignorante absolutamente enganado, incapaz de compreender a sociedade que vive e as limitações de seu espírito, enquanto homem inserido na História.

E a CUT? Se a enxergarmos como mero apêndice do PT (sendo que não o é), ainda assim ela cumpre um papel na expressão da Sociedade Civil no Estado. Essa é uma expressão de duas vias: conglomera os sindicatos e os liga ao Estado, tanto no sentido desses intervirem neste, quanto este intervir naqueles. Dito de outro modo, se a CUT é o Estado em parte, o Estado é a CUT em parte. A ligação da CUT é o coroamento da luta trabalhista brasileira histórica na expressão que esta encontrou. Se extrapolarmos nossa vulgata , qualquer movimento classista reconhecido oficialmente, ou seja, que esteja presente no Estado passou, essencialmente, a ser um instrumento nas mãos da manutenção da ordem imposta e do momento atual. Como Marx demonstra em "18 de Brumário", a luta política em uma sociedade com um Estado centralizado, tal como a nossa que poderíamos identificar com a França descrita por Tocqueville, é a luta pelo Estado. Este é um instrumento central em qualquer embate. Se o Estado agora permite que muitas soluções diluam-se em sua Quimera, é no mínimo estratégico diluir a luta classista nele.

Exposto tudo isso, gostaria de concluir de maneira explosiva. Concordo com a vulgata contra qual escrevi, após esta ser relida através de uma Gestalt conceitual. O atual momento deve e será superado, em socialismo ou em barbárie. É uma releitura grosseira de Lenin, mas o PT e a atual democracia devem ser superados. Ainda sim, este é o modo como a luta de classes e o desenvolvimento dialético dessa se encontram no momento. Não sei quais serão os próximos sujeitos pelos quais se manifestarão os próximos momentos, não farei futurologia. Pensaria no MST ou na classe média que emerge na periferias na atualidade (2002-2010). O formato da sociedade brasileira altera-se radicalmente, apesar de não alterar a estrutura inerente a uma sociedade capitalista. Esta sociedade não permanecerá a mesma após o boom educacional, que além de tudo reproduz a sociedade de uma outra maneira (outro artigo abordará a educação no Brasil comparada com a de outros países), a radical diminuição da desigualdade social, a um desenvolvimento capitalista em um nível sem precedentes, a um Estado que revoluciona dia-a-dia sua inserção na comunidade dos Estados e a tantos outros fatos que escapam a minha capacidade analítica limitada. Essas alterações não ocorrem só no Brasil, mas em toda a América Latina e, quiçá, em toda a "Periferia do Mundo". Apenas posso entrever a mudança, não seus efeitos. Posso limitá-los a um campo, mas não definí-los.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

O Terceiro Setor: A Sociedade Civil se contorce

É fácil perceber um movimento da economia global em que o setor de serviços converte-se cada vez mais no principal foco do trabalho produtivo, na acepção marxista do termo. E, justamente, seguindo a lógica constante do Capital, é mais um dos momentos onde a contradição de classes se realiza. Esta se expressa nas condições cada vez mais degradantes que estes trabalhadores se encontram, manifestadas no apanágio do neoliberalismo moderno: a terceirização. A palavra é irônica ela mesma; carrega a "nova onda", já velha, da classe burguesa e o novo, também já velho, campo onde a luta de classes se manifesta. É mais um dos momentos da luta pela Jornada de Trabalho, realizada agora no âmbito da garantia dos direitos trabalhistas desse setor. Na esfera da "grande política", no Congresso ou nas eleições federais, é travada entre os defensores das privatização e os que a combatem. Em si mesma, as privatizações são a terceirização do Estado. Este entrega seus órgãos produtivos nas mãos diretas da burguesia, sem passar pelos mediadores estatais. Mas como esse movimento se expressa na América Latina, especialmente no Brasil, e como interpretá-lo? O Estado cumpriu no Brasil e em outros países o papel histórico das burguesias industrial e financeira. Fez a revolução que a burguesia agrícola, pela sua mediocridade colonial, não queria fazer, representando-a ainda assim. Foram necessários muitos Getúlios para perpetuá-la. Agora, quando os ventos da mudança começaram a soprar no final do século XX, a burguesia como um todo reclamava o que acreditava ser seu por direito. E que ventos foram esses? O próprio Estado passou a ser um dos campos em que a luta de classes se realiza, não mais como mero instrumento de uma delas, mas sim em sua capacidade de ser instrumento. É o que vemos, em partes, concretizado na Inglaterra e na Itália até a década de 70. Avanços e recuos constantes nos limites de um Estado essencialmente conservador apreendido por uma sociedade civil.

E o que tudo acima exposto de forma tão grosseira significa efetivamente para nós, brasileiros, às portas de mais uma eleição? A consolidação da Nova República nas eleições de 2002 dá a chave do Estado para a sociedade civil. Mas devemos entender que isso significa que suas contradições internas encontram mais um meio de se expressar, ou seja, não é uma transformação em si, mas pode vir a se realizar. E realiza-se, de fato. O Estado é e sempre será um instrumento em essência conservador. Mas devemos tentar enxergar que suas manifestações podem ter um caráter progressista; dançando em seus limites, alargamo-los. É assim que se conquistam os direitos trabalhistas, que se altera a política internacional de colonialista à progressista, que são instalados programas de distribuição de renda, que se universaliza de fato a educação, que se expande o microcrédito e etc. A luta de classes manifesta-se também nas eleições, mas não somente nela, e isso é crucial. Mas, devemos ser realistas e observar que a relação da sociedade brasileira com seu Estado é um despotismo democrático, questão que pretendo abordar futuramente, o que significa que o controle de partes do Estado é fundamental no processo revolucionário. Ainda assim, este nunca pode ser pleno, dado os limites de um Estado essencialmente conservador. Mesmo assim, devemos encarar este fato como o homem ao alçar vôo. O avião não rompe as leis da física; respeita-as alargando as fronteiras do homem que agora pode alçar vôo. Dentro dos limites de seu próprio espírito, o homem pode usar seus grilhões para emancipar-se.