segunda-feira, 14 de junho de 2010

Desenvolvimentos Históricos: Centrais Sindicais como Sujeitos Dialéticos

Pretendo fazer uma curta exposição de uma discussão que creio ser mais profunda do que a superficialidade de um artigo de blog pode deixar desenvolver. Como pretexto argumentativo, discorrerei sobre as Centrais Sindicais.

Alguns setores de esquerda ou do sindicalismo costumam taxar a CUT de pelega. Os argumentos que citam para tal são dos mais variados, e, para evitar uma pesquisa mais extensa, aludirei apenas a uma vulgata que acredito expressar algo como um meio termo simplificado da idéia central deles. O eixo central geralmente gira em torno da ligação da Central com o partido incumbente. Costuma-se, durante as argumentações, desenvolver-se um processo histórico no qual a CUT é retratada. Em um período, geralmente entre o final da década de 1970 e o começo dos anos 1990, aparece como protagonista da luta trabalhista no Brasil. A CUT é, para nossos idealizados contestadores, caracterizada como uma das representantes das classes que não controlam a ordem social, em sua expressão trabalhista (talvez, desenvolvimento organizado do proletariado mesmo). Implícita ou explicitamente, o PT é definido como sendo a expressão política no mesmo período. Variando de fonte para fonte, um momento de transformação é colocado, geralmente posicionado em meados da década de 1990 ou em pouco antes de 2002. Neste instante, o PT e a CUT teriam se rendido ao grande capital ou às regras "do jogo", acabando com seu vanguardismo revolucionário. O PT e a CUT, sem nenhuma realização, agora são mais instrumentos na mão da burguesia na luta de classes. O desenvolvimento dialético teria regredido ainda mais na luta entre proletariado e burguesia, já que a sociedade encontra-se agora ainda mais "alienada" (no sentido mais vulgar do marxismo vulgar) do que nunca, enganada por um partido e uma central que se dizem "dos trabalhadores" sem o serem de fato.

Analisemos a vulgata criada mais pormenorizadamente. O processo é, grosso modo, dividido em dois momentos. Em um deles, o PT é protagonista, em outro, antagonista. No momento em que o PT se torna antagonista, a CUT, sua associada, também se torna. O primeiro momento retrata o final do Regime Militar, momento em que a contradição das classes é, aliás, evidente no Estado, controlado pelos militares com óbvia tendência por uma classe (não caberá aqui uma análise classista do Regime Militar; paremos por aqui). Durante os anos entre 1979-1985, víamos as primeiras crises pós-Milagre Econômico e as primeiras respostas neoliberais a estas, o que evidenciaria a contradição no trabalhismo e em outros campos. O seu posterior desenvolvimento, durante o governo Sarney, também evidencia e aguda ainda mais as múltiplas manifestações da luta classista. Não se associam aqui a formação dos sindicatos ou o fortalecimento das pastorais com essa evidência, apesar de existir sim certa correlação, mas antes enxerga-se nesse processo mais uma constatação do exposto até aqui. Por onde se olha, não só a evidenciação da contradição é clara, como o protagonismo dialético do PT e da CUT também o é. Assim, podemos entender como qualquer analista é obrigado a admití-lo e, muitas vezes, sacralizá-lo com certa nostalgia.

Continuando no momento seguinte, em algum ponto, talvez exposto em um caso, como as eleições de 2000 ou 2002 (em geral, muito antes), o PT teria se tornado um instrumento nas mãos da burguesia. Apenas em uma questão de tempo, geralmente quando Lula é eleito, a CUT também se torna, costumeiramente agravado pelo fato de esta se tornar um instrumento estatal da luta de classes em prol da burguesia. A análise da vulgata dividi-se aqui em dois pontos. Em um ponto, o PT transforma-se, o que seria evidente nas dissenções partidárias. O partido teria se integrado de uma outra maneira com a sociedade. Antes de tudo, faz-se necessário aludir ao fato de que a própria sociedade se transformou. Não só o contexto global, com o fim da Guerra Fria e a Nova Ordem Mundial, mas também o próprio modo interno da sociedade brasileira. Não procurarei definí-lo de maneira pormenorizada, mas podemos inferir uma clara mudança, que se expressa de múltiplas maneiras. De modo geral, as instituições positivas da sociedade, suas manifestações concretas como os sindicatos, igrejas, associações de bairro e até mesmo as empresas , ao menos no discurso, se tornam mais democráticas, em tantos sentidos quantos os que puderem ser dados a essa palavra. A importância do discurso de democracia é quase universal durante o século XX, mas no despontar do século XXI ele adquire um novo sentido, que não pretendo precisar aqui, mas que, de certo modo, podemos entender como um humanitarismo, sensível na mídia com a importância da questão ambiental e da iniciativa individual nesse campo. É, com certa extrapolação, a idéia que muitos pensadores têm, como o brasilianista norte-americano Thomas Skidmore. No campo político, essa transformação poderia ter se manifestado como uma maior abertura do Estado brasileiro à Sociedade Civil. Essa abertura não é, obviamente, plena. A Sociedade Civil não passou a deter o absoluto controle do Estado, que de certa forma continua alheio a esta. Mas, sobretudo, as contradições da própria Sociedade Civil encontram no Estado mais um meio de expressão, e vice-versa. Vale a pena ressaltar ainda que Sociedade Civil e Estado também são dois momentos de realização de um conceito, mas deixemos essa complexa discussão para outro artigo. Voltando a questão em pauta, a transformação que o PT operou em si mesmo, pautada em muitos âmbitos, foi como se fosse de linguagem. O PT passou a expressar-se politicamente em outra língua, em outra esfera. O PT é a expressão de um termo da contradição da Sociedade Civil no Estado, limitado pelas contigências dessa expressão mais ampla e anterior logicamente. Acima de tudo, tal como as eleições, é uma das expressões. Nem a final, nem a mais ampla, nem a mais fetichizada: limitada, tal como todas as outras. Deste modo, caem por terra interpretações de uma esquerda paternalista que vê no povo brasileiro, tal como a direita, um ignorante absolutamente enganado, incapaz de compreender a sociedade que vive e as limitações de seu espírito, enquanto homem inserido na História.

E a CUT? Se a enxergarmos como mero apêndice do PT (sendo que não o é), ainda assim ela cumpre um papel na expressão da Sociedade Civil no Estado. Essa é uma expressão de duas vias: conglomera os sindicatos e os liga ao Estado, tanto no sentido desses intervirem neste, quanto este intervir naqueles. Dito de outro modo, se a CUT é o Estado em parte, o Estado é a CUT em parte. A ligação da CUT é o coroamento da luta trabalhista brasileira histórica na expressão que esta encontrou. Se extrapolarmos nossa vulgata , qualquer movimento classista reconhecido oficialmente, ou seja, que esteja presente no Estado passou, essencialmente, a ser um instrumento nas mãos da manutenção da ordem imposta e do momento atual. Como Marx demonstra em "18 de Brumário", a luta política em uma sociedade com um Estado centralizado, tal como a nossa que poderíamos identificar com a França descrita por Tocqueville, é a luta pelo Estado. Este é um instrumento central em qualquer embate. Se o Estado agora permite que muitas soluções diluam-se em sua Quimera, é no mínimo estratégico diluir a luta classista nele.

Exposto tudo isso, gostaria de concluir de maneira explosiva. Concordo com a vulgata contra qual escrevi, após esta ser relida através de uma Gestalt conceitual. O atual momento deve e será superado, em socialismo ou em barbárie. É uma releitura grosseira de Lenin, mas o PT e a atual democracia devem ser superados. Ainda sim, este é o modo como a luta de classes e o desenvolvimento dialético dessa se encontram no momento. Não sei quais serão os próximos sujeitos pelos quais se manifestarão os próximos momentos, não farei futurologia. Pensaria no MST ou na classe média que emerge na periferias na atualidade (2002-2010). O formato da sociedade brasileira altera-se radicalmente, apesar de não alterar a estrutura inerente a uma sociedade capitalista. Esta sociedade não permanecerá a mesma após o boom educacional, que além de tudo reproduz a sociedade de uma outra maneira (outro artigo abordará a educação no Brasil comparada com a de outros países), a radical diminuição da desigualdade social, a um desenvolvimento capitalista em um nível sem precedentes, a um Estado que revoluciona dia-a-dia sua inserção na comunidade dos Estados e a tantos outros fatos que escapam a minha capacidade analítica limitada. Essas alterações não ocorrem só no Brasil, mas em toda a América Latina e, quiçá, em toda a "Periferia do Mundo". Apenas posso entrever a mudança, não seus efeitos. Posso limitá-los a um campo, mas não definí-los.

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