quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Instituições Políticas e Governabilidade *

Por Arthur Silva

No ensaio de Figueiredo e Limongi - Instituições Políticas e Governabilidade - os autores buscam realizar uma comparação entre os períodos democráticos de 1946-1964 e pós-1988. A questão central do texto gira em torno da governabilidade, procurando refutar posições difundidas da falta desta no arranjo institucional brasileiro. Para tanto, razões institucionais tidas amplamente como motivos para a ingovernabilidade – fragmentação e indisciplina partidárias, presidencialismo como incapaz de forma governos de coalizão, como exemplos – são discutidas. Sinteticamente, as duas experiências democráticas seriam iguais se apenas a diferença entre presidencialismo e parlamentarismo e a legislação eleitoral (que influí no número de partidos existentes e na disciplina partidária) fosse determinante – já que nestes pontos as duas democracias são muito semelhantes – e a observação empírica demonstra que não o são. A tese principal é de que há governabilidade, pois o processo decisório centralizado transfere “poder de propor” para o Executivo.
Entre os dois períodos democráticos comparados, as principais diferenças institucionais são as maiores prerrogativas legislativas do Executivo (em especial as Medidas Provisórias) e os líderes partidários, reunidos no Colégio dos Líderes. Em comparação com o período de 1946-64, o Executivo pós-1988 possui maiores poderes legislativos, principalmente iniciativas exclusivas para projetos de leis orçamentárias e sobre matéria tributária, projetos de emendas constitucionais, solicitar a urgência dos projetos de lei e impor restrições a emendas orçamentárias (p. 151). Mas a mais importante adição aos poderes legislativos do Executivo foi a possibilidade de editar decretos com força de lei, as Medidas Provisórias (MP). Através desta, o Executivo força o Legislativo a ter que decidir não mais entre o status quo presente e um possível status quo futuro, mas entre um status quo já alterado e o um novo estado das coisas em que a lei foi refutada (p. 152), além de dar ao Executivo amplo poder de agenda sobre o Legislativo com os prazos de votação das MP. É importante salientar que, com as MP, o Executivo não “passa por cima” simplesmente do Legislativo, pois estas ainda têm de ser amplamente discutidas com a maioria. As MP não implicam conflito, mas sim uma ação conjunta do governo e de sua maioria (p. 153). Com respeito aos líderes, é possível, quando se compara os Regimentos Internos das Câmaras dos dois períodos (p. 155), observar um nítido aumento de sua importância, especialmente com a prerrogativa de representar toda a sua bancada (votar por toda a sua bancada).
Um processo decisório centralizado influí no desempenho do Legislativo no presidencialismo, no sentido de neutralizar ou mitigar os efeitos que teriam a separação dos poderes, fragmentação partidária e os incentivos ao “voto pessoal” (p. 156). Para demonstrar esta tese, os autores recorrem aos índices de dominância e sucesso legislativo do Executivo, maiores com os presidentes do atual período do que nos presidentes de 1946-64. O tamanho da bancada apoiadora do presidente ou sua capacidade de barganha não são absolutamente fundamentais para esta dominância e sucesso, já que estas possuem bases institucionais. Novamente, é necessário se ter em conta que o Executivo não tem como simplesmente contornar o Executivo (p. 162); uma maioria sólida no Congresso poderia derrubar uma MP. Além disso, as MP são mais úteis para a barganha horizontal com a base aliada do que como arma contra o Congresso, e até o PEC 32 eram reeditadas com apoio tácito ou explícito do Congresso (p. 168). Vale à pena ressaltar também que as MP legislam principalmente sobre questões econômicas (p. 163), podendo-se até dizer que o Congresso delegou ao Executivo a direção da Economia (p. 164).
Outra questão é trabalhada – fragmentação e indisciplina partidárias. O maior controle de agenda por parte dos líderes partidários garante maior centralização do processo legislativo, o que significa que membros individuais do Congresso têm menor capacidade de influência. Esta diferença dos Regimentos Internos dos dois períodos também tem peso sobre a coesão dos partidos, sobre o padrão de formação de coalizões e sobre o apoio ao governo (p. 169) que são demonstrados pela discrepância dos índices de semelhança na agenda do Executivo nas votações nominais entre os governos de 1946-64 e pós-1988.
De forma semelhante aos parlamentarismos multipartidários, na democracia pós-1988 o presidente “forma um governo”, ou seja, distribuí ministérios em troca de apoio legislativo dos partidos (p. 176). À coalizão ministerial corresponde uma coalizão legislativa que atua em sintonia e apoio às posições do governo, lembrando que o governo negocia o apoio partidariamente e não individualmente (p. 180). As coalizões não se organizam em bases estaduais e sim partidárias, ao contrário do que uma visão do federalismo como entrave à governabilidade defenderia.
Não há obstáculos institucionais para o Executivo, apenas políticos, o que é saudável em uma democracia (p. 183). Os autores encerram concluindo que o sistema político do Brasil não é um sistema perfeito nem ideal, como nenhuma democracia o é, e que se deve afastar duas posições extremadas: uma, de que o sistema político brasileiro encarna tudo o que há de mau e de que toda reforma é essencialmente boa e outra de que existam fórmulas prontas e acabadas a adotar (p. 189).

(*) Resenha escrita para a disciplina de Política IV (ministrada pelo professor Limongi) do Departamento de Ciência Política da FFLCH-USP com base no ensaio de LIMONGI, Fernando e FIGUEIREDO, Argelina: Instituições Políticas e Governabilidade (2007) in MELO, Carlo Ranulfo e SÁEZ, Manuel Alcântra (orgs.): A Democracia Brasileira - Balanço e Perspectivas para o Século 21 (2007), Belo Horizonte, Editora UFMG

terça-feira, 2 de novembro de 2010

O VOTO DO NORDESTE: PARA ALÉM DO PRECONCEITO

Tânia Bacelar de Araújo (*)

A ampla vantagem da candidata Dilma Rousseff no primeiro turno no Nordeste reacende o preconceito de parte de nossas elites e da grande mídia face às camadas mais pobres da sociedade brasileira e em especial face ao voto dos nordestinos. Como se a população mais pobre não fosse capaz de compreender a vida política e nela atuar em favor de seus interesses e em defesa de seus direitos. Não "soubesse" votar.

Desta vez, a correlação com os programas de proteção social, em especial o "Bolsa Família" serviu de lastro para essas análises parciais e eivadas de preconceito. E como a maior parte da população pobre do país está no Nordeste, no Norte e nas periferias das grandes cidades (vale lembrar que o Sudeste abriga 25% das famílias atendidas pelo "Bolsa Família"), os "grotões"- como nos tratam tais analistas ? teriam avermelhado. Mas os beneficiários destes Programas no Nordeste não são suficientemente numerosos para responder pelos percentuais elevados obtidos por Dilma no primeiro turno : mais de 2/3 dos votos no MA, PI e CE, mais de 50% nos demais estados, e cerca de 60% no total ( contra 20% dados a Serra).

A visão simplista e preconceituosa não consegue dar conta do que se passou nesta região nos anos recentes e que explica a tendência do voto para Governadores, parlamentares e candidatos a Presidente no Nordeste.

A marca importante do Governo Lula foi a retomada gradual de políticas nacionais, valendo destacar que elas foram um dos principais focos do desmonte do Estado nos anos 90. Muitas tiveram como norte o combate às desigualdades sociais e regionais do Brasil. E isso é bom para o Nordeste.

Por outro lado, ao invés da opção estratégica pela "inserção competitiva" do Brasil na globalização - que concentra investimentos nas regiões já mais estruturadas e dinâmicas e que marcou os dois governos do PSDB -, os Governos de Lula optaram pela integração nacional ao fundar a estratégia de crescimento na produção e consumo de massa, o que favoreceu enormemente o Nordeste. Na inserção competitiva, o Nordeste era visto apenas por alguns "clusters" (turismo, fruticultura irrigada, agronegócio graneleiro...) enquanto nos anos recentes a maioria dos seus segmentos produtivos se dinamizaram, fazendo a região ser revisitada pelos empreendedores nacionais e internacionais.

Por seu turno, a estratégia de atacar pelo lado da demanda, com políticas sociais, política de reajuste real elevado do salário mínimo e a de ampliação significativa do crédito, teve impacto muito positivo no Nordeste. A região liderou - junto com o Norte - as vendas no comercio varejista do país entre 2003 e 2009. E o dinamismo do consumo atraiu investimentos para a região. Redes de supermercados, grandes magazines, indústrias alimentares e de bebidas, entre outros, expandiram sua presença no Nordeste ao mesmo tempo em que as pequenas e medias empresas locais ampliavam sua produção.

Além disso, mudanças nas políticas da Petrobras influíram muito na dinâmica econômica regional como a decisão de investir em novas refinarias (uma em construção e mais duas previstas) e em patrocinar - via suas compras - a retomada da indústria naval brasileira, o que levou o Nordeste a captar vários estaleiros.

Igualmente importante foi a política de ampliação dos investimentos em infra-estrutura - foco principal do PAC - que beneficiou o Nordeste com recursos que somados tem peso no total dos investimentos previstos superior a participação do Nordeste na economia nacional. No seu rastro,a construção civil "bombou" na região.

A política de ampliação das Universidades Federais e de expansão da rede de ensino profissional também atingiu favoravelmente o Nordeste, em especial cidades médias de seu interior. Merece destaque ainda a ampliação dos investimentos em C&T que trouxe para Universidades do Nordeste a liderança de Institutos Nacionais ? antes fortemente concentrados no Sudeste - dentre os quais se destaca o Instituto de Fármacos (na UFPE) e o Instituto de Neurociências instalado na região metropolitana de Natal sob a liderança do cientista brasileiro Miguel Nicolelis que organizará uma verdadeira ?cidade da ciência? num dos municípios mais pobres do RN (Macaíba).

Igualmente importante foi quebrar o mito de que a agricultura familiar era inviável. O PRONAF mais que sextuplicou seus investimentos entre 2002 e 2010 e outros programas e instrumentos de política foram criados ( seguro ? safra , Programa de Compra de Alimentos, estimulo a compras locais pela Merenda Escolar, entre outros) e o recente Censo Agropecuário mostrou que a agropecuária de base familiar gera 3 em cada 4 empregos rurais do país e responde por quase 40% do valor da produção agrícola nacional. E o Nordeste se beneficiou muito desta política, pois abriga 43% da população economicamente ativa do setor agrícola brasileiro.

Resultado: o Nordeste liderou o crescimento do emprego formal no país com 5,9% de crescimento ao ano entre 2003 e 2009, taxa superior a de 5,4% registrada para o Brasil como um todo, e aos 5,2% do Sudeste, segundo dados da RAIS.

Daí a ampla aprovação do Governo Lula em todos os Estados e nas diversas camadas da sociedade nordestina se refletir na acolhida a Dilma. Não é o voto da submissão - como antes - da desinformação, ou da ignorância. É o voto da auto- confiança recuperada, do reconhecimento do correto direcionamento de políticas estratégicas e da esperança na consolidação de avanços alcançados - alguns ainda incipientes e outros insuficientes. É o voto na aposta de que o Nordeste não é só miséria (e, portanto, "Bolsa Família"), mas uma região plena de potencialidades.


(*) Tânia Bacelar de Araújo, ex-secretária de Planejamento (1987-88) e da Fazenda do Estado de Pernambuco (1988-90) e ex-secretária Nacional de Políticas Regionais do Ministério da Integração Nacional (2003), é especialista em desenvolvimento regional, economista, socióloga e professora do Departamento de Economia da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco).

sábado, 16 de outubro de 2010

República Fundamentalista Cristã

VLADIMIR SAFATLE

FUNDADA EM 31 de outubro de 2010 após a expulsão dos infiéis do poder, a República Fundamentalista Cristã do Brasil apareceu em substituição à República Federativa do Brasil. Dela, ela herdou quase tudo, acrescentando uma importante novidade institucional: um poder moderador, pairando acima dos outros Três Poderes e composto pela ala conservadora do catolicismo em aliança com certos setores protestantes. Os mesmos setores que, nos EUA, deram suporte canino a George W. Bush. A função deste poder moderador consiste em vigiar o debate político e social, impedindo que pautas de modernização social já efetivadas em todos os países desenvolvidos cheguem ao Brasil.

Na verdade, a fundação desta nova República começou após uma eleição impulsionada pelo problema do aborto. Procurando uma tábua de salvação para uma candidatura que nunca decolara e que passou ao segundo turno exclusivamente por obra e graça de Marina Silva, José Serra resolveu inovar na política brasileira ao instrumentalizar politicamente os dogmas mais arcaicos deste que é o maior país católico do mundo.

Assim, sua mulher foi despachada pelos quatro cantos para alertar a população contra o fato de Dilma Rousseff apoiar "matar criancinhas" (conforme noticiou um jornal que declarou apoio explícito a seu marido). As portas de seu comitê de campanha foram abertas para os voluntários da TFP, com seus folhetos contra a "ameaça vermelha" capaz de perverter a família brasileira através da legalização da prostituição e do casamento gay (conforme noticiou o blog do jornalista Fernando Rodrigues). A internet foi invadida por mensagens "espontâneas" contra a infiel Dilma e o PNDH-3.

José Serra já havia dado a senha quando afirmou, em um debate, que legalizar o aborto seria uma "carnificina". Que 15% das mulheres brasileiras entre 18 e 39 anos tenham abortado em condições indescritíveis, isto não era "carnificina". Carnificina, para Serra, seria o Brasil importar esta prática tão presente na vida dos "bárbaros selvagens" que são os ingleses, franceses, alemães, norte-americanos, espanhóis, italianos, ou seja, todos para quem o aborto é, pasmem, uma questão de saúde pública e planejamento familiar.

Confrontada com esta guinada, a "classe média esclarecida" não se indignou. As clínicas privadas que fazem abortos ilegais continuariam funcionando. O direito sagrado de salvar a filha de classe média de uma gravidez indesejada continuaria intacto. Para tal classe, o discurso sobre "valores cristãos" era apenas uma radicalização eleitoral.
Quando o poder moderador, confiante em sua nova força, começou a exigir que o criacionismo fosse ensinado nas escolas, que o Estado subvencionasse atividades de proselitismo religioso travestidas de filantropia, já era tarde. Então, alguns lembraram, com tristeza, dos pais fundadores da República Federativa do Brasil, decididos a criar uma república laica onde os dogmas religiosos não seriam balizas da vida social. Uma república onde seria possível dar a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus. Uma República que morreu no dia 31 de outubro de 2010.

VLADIMIR SAFATLE é professor no departamento de filosofia da USP.
[Folha de S. Paulo, 11 de outubro de 2010]

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Manifesto em Defesa da Educação Pública

Nós, professores universitários, consideramos um retrocesso as propostas e os métodos políticos da candidatura Serra. Seu histórico como governante preocupa todos que acreditam que os rumos do sistema educacional e a defesa de princípios democráticos são vitais ao futuro do país.

Sob seu governo, a Universidade de São Paulo foi invadida por policiais armados com metralhadoras, atirando bombas de gás lacrimogêneo. Em seu primeiro ato como governador, assinou decretos que revogavam a relativa autonomia financeira e administrativa das Universidades estaduais paulistas. Os salários dos professores da USP, Unicamp e Unesp vêm sendo sistematicamente achatados, mesmo com os recordes na arrecadação de impostos. Numa inversão da situação vigente nas últimas décadas, eles se encontram hoje em patamares menores que a remuneração dos docentes das Universidades federais. Esse “choque de gestão” é ainda mais drástico no âmbito do ensino fundamental e médio, convergindo para uma política sistemática de sucateamento da rede pública. São Paulo foi o único Estado que não apresentou, desde 2007, crescimento no exame do Ideb, índice que avalia o aprendizado desses dois níveis educacionais.

Os salários da rede pública no Estado mais rico da federação são menores que os de Tocantins, Roraima, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Espírito Santo, Acre, entre outros. Somada aos contratos precários e às condições aviltantes de trabalho, a baixa remuneração tende a expelir desse sistema educacional os professores mais qualificados. Diante das reivindicações por melhores condições de trabalho, Serra costuma afirmar que não passam de manifestação de interesses corporativos e sindicais, de “tró-ló-ló” de grupos políticos que querem desestabilizá-lo. Assim, além de evitar a discussão acerca do conteúdo das reivindicações, desqualifica movimentos organizados da sociedade civil, quando não os recebe com cassetetes.

Serra escolheu como Secretário da Educação Paulo Renato, ministro nos oito anos do governo FHC. Neste período, nenhuma Escola Técnica Federal foi construída e as existentes arruinaram-se. As universidades públicas federais foram sucateadas ao ponto em que faltou dinheiro até mesmo para pagar as contas de luz, como foi o caso na UFRJ. A proibição de novas contratações gerou um déficit de 7.000 professores. Em contrapartida, sua gestão incentivou a proliferação sem critérios de universidades privadas. Já na Secretaria da Educação de São Paulo, Paulo Renato transferiu, via terceirização, para grandes empresas educacionais privadas a organização dos currículos escolares, o fornecimento de material didático e a formação continuada de professores. O Brasil não pode correr o risco de ter seu sistema educacional dirigido por interesses econômicos privados. No comando do governo federal, o PSDB inaugurou o cargo de “engavetador geral da república”. Em São Paulo, nos últimos anos, barrou mais de setenta pedidos de CPIs, abafando casos notórios de corrupção que estão sendo julgados em tribunais internacionais.

Sua campanha promove uma deseducação política ao imitar práticas da extrema direita norte-americana em que uma orquestração de boatos dissemina dogmas religiosos. A celebração bonapartista de sua pessoa, em detrimento das forças políticas, só encontra paralelo na campanha de 1989, de Fernando Collor.


Nota: Manifesto supra-partidário que circula na internet, contra Serra. Retirado de HISTEDBR-Unicamp (Grupo de Estudos e Pesquisa "História, Sociedade e Educação" da Faculdade de Educação da Unicamp)

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Argumento Classe Média

É interessante ressaltar que, para mim, estes números não são o mais importante. Há muito mais; as transformações pelas quais o país passou desde as eleições de 2002 são muito mais agudas do que estes números econométricos podem demonstrar. Ainda assim, acredito que, para muitos, estes dados sejam um argumento bem influente.

Números das gestões LULA e FHC.
GOVERNO LULA - PT (7,8 ANOS)
GOVERNO PSDB - PSDB/PFL (8 ANOS)
1) Número de policiais federais:
Governo Lula: 13 mil
Governo PSDB/PFL: 5 mil
2) Operações da PF contra a corrupção, sonegação de impostos, crime organizado e lavagem de dinheiro:
Governo Lula: 358
Governo PSDB/PFL: 20
3) Prisões efetuadas pelos motivos acima:
Governo Lula: 3.971
Governo PSDB/PFL: 54
4) Criação de empregos:
Governo Lula: 36 milhões (14,6 milhões com carteira assinada)
Governo PSDB/PFL: 700 mil
5) Média anual de empregos gerados:
Governo Lula: 2,14 milhão
Governo PSDB/PFL: 87,5 mil
6) Taxa de desemprego nas regiões metropolitanas:
Governo Lula: 6,3%
Governo PSDB/PFL: 11,7%
7) Desemprego em SP, maior cidade do país:
Governo Lula: 12,9%
Governo PSDB/PFL: 19,0%
8) Exportações (em dólares):
Governo Lula: 258,3 bilhões
Governo PSDB/PFL: 60,4 bilhões
9) Balança comercial (em dólares):
Governo Lula: 265,3 bilhões (positivos)
Governo PSDB/PFL: - 8,4 bilhões (negativos)
10) Transações correntes (em dólares):
Governo Lula: 110,1 bilhões (positivos)
Governo PSDB/PFL: - 186,2 bilhões (negativos)
11) Risco-país:
Governo Lula: 204
Governo PSDB/PFL: 2.400* No governo Lula, o país atingiu o patamar mais baixo da história.
12) Inflação:
Governo Lula: 3,8% (média)
Governo PSDB/PFL: 12,53%
13) Dívida com o FMI (em dólares):
Governo Lula: dívida paga – Hoje o FMI nos deve 18 bilhões
Governo PSDB/PFL: 14,7 bilhões (todo ano emprestávamos uma média de 10 bilhões que desapareciam inexplicavelmente)
14) Dívida com o Clube de Paris (em dólares):
Governo Lula: dívida paga
Governo PSDB/PFL: 5 bilhões
15) Dívida externa:
Governo Lula: 2,41%
Governo PSDB/PFL:12,45%
16) Empréstimo para habitação (em reais):
Governo Lula: 9,5 bilhões
Governo PSDB/PFL: 1,7 bilhões
17) Crescimento industrial:
Governo Lula: 8,77%
Governo PSDB/PFL: 1,94%
18) Produção de bens duráveis:
Governo Lula: 14,8%
Governo PSDB/PFL: 2,4%
19) Aumento na produção de veículos:
Governo Lula: 5,4%
Governo PSDB/PFL: 1,8%
20) Crédito para a agricultura familiar:
Governo Lula: 11,3%
Governo PSDB/PFL: 2,4%
21) Valor do salário mínimo em dólares:
Governo Lula: Quase 300
Governo PSDB/PFL: 55
22) Poder de compra do salário mínimo em relação à cesta básica:
Governo Lula: 3,7 cestas básicas
Governo PSDB/PFL: 1,3 cesta básica
23) Aumento do custo da cesta básica:
Governo Lula: 15,6%
Governo PSDB/PFL: 81,6%
24) Transferência de renda (em reais):
Governo Lula: 12,1 bilhões
Governo PSDB/PFL: 2,3 bilhões
25) Média por família:
Governo Lula: 87 reais
Governo PSDB/PFL: 25 reais
26) Atendidos pelo programa Brasil Sorridente (atendimento odontológico):
Governo Lula: 35,7%
Governo PSDB/PFL: 17,5%* 15 milhões de brasileiros foram pela primeira vez ao dentista.
27) Mortalidade infantil indígena (por 1000 habitantes):
Governo Lula: 18,6
Governo PSDB/PFL: 55,7
28) Pró-jovem - estudo subsidiado:
Governo Lula: 183 mil (18 a 24 anos)
Governo PSDB/PFL: não havia programa, nem registro.
29) Bolsa Família:
Governo Lula: 24,1 milhões de famílias
Governo PSDB/PFL: o programa era o Bolsa Escola com atendimento restrito a um pequeno número de pessoas.
30) Incremento no acesso a água no semi-árido nordestino:
Governo Lula: 1.762 mil pessoas e 152 mil cisternas
Governo PSDB/PFL: zero, não havia programa.
31) Distribuição de leite no semi-árido (sistema pequeno produtor):
Governo Lula: 8,3 milhões de brasileiros
Governo PSDB/PFL: zero, não havia programa.
32) Áreas ambientais preservadas:
Governo Lula: incremento de 25,6 milhões de hectares
Do ano do Descobrimento do Brasil até 2002: 40 milhões de hectares
33) Apoio à agricultura familiar:
Governo Lula: mais de 40 bilhões
Governo PSDB/PFL: Maior repasse 2,5 bilhões
34) Compra de terras para Reforma Agrária:
Governo Lula: 3,7 bilhões (2003 a 2005)
Governo PSDB/PFL: 1,1 bilhão (1999 a 2002)
35) Investimento do BNDES em micro e pequenas empresas:
Governo Lula: 35,99 bilhões
Governo PSDB/PFL: 8,3 bilhões
36) Investimento anual em saúde básica:
Governo Lula: 2,5 bilhões
Governo PSDB/PFL: 155 milhões
37) Equipes do Programa Saúde da Família:
Governo Lula: 27.401
Governo PSDB/PFL: 16.698
38) Índice BOVESPA:
Governo Lula: 35,2 mil pontos
Governo PSDB/PFL: 11,2 mil pontos
39) Dívida externa:
Governo Lula: (260 BILHÕES EM RESERVAS)
Governo PSDB/PFL: 210 bilhões NEGATIVOS
40) Desemprego no país:
Governo Lula: 8,3%
Governo PSDB/PFL: 12,2%
41) Eletrificação Rural:
Governo Lula: 8 milhões de pessoas
Governo PSDB/PFL: 2,7 mil pessoas
42) Livros gratuitos para o Ensino Médio:
Governo Lula: 17 milhões
Governo PSDB/PFL: zero
43) Geração de Energia Elétrica:
Governo Lula: 1.567 empreendimentos em operação, gerando 95.744.495 kW de potência. Está previsto para os próximos anos uma adição de 26.967.987 kW na capacidade de geração do País, proveniente os 65 empreendimentos atualmente em construção e mais 516 outorgadas.
44) Construção de Universidades Federais:
Governo Lula: 27 universidades + 58 novos campi
Governo PSDB/PFL: 6 universidades federais em 8 anos
E PARA TERMINAR NO Nº 45:
45) Falcatruas e roubalheiras dentro das instituições do governo federal, estatais, e empresas do governo:
Governo Lula: o povo conhece, a imprensa divulga, a polícia federal age e prende, a Controladoria Geral da União (CGU) investiga e denuncia livremente, o Congresso investiga e denuncia, CPIs são instaladas e corruptos são cassados; a justiça julga, o dinheiro roubado aparece e "companheiros" são expulsos, presos, demitidos, cassados ou punidos.

retirado de: circula nos e-mais. Não averiguei a consistência dos dados, mas é fácil checar na internet. Em geral, material de campanha do PT costuma oferecer dados bem semelhantes com as respectivas fontes. A campanha do PSDB não tem argumentos e, portanto, não oferece dados concretos.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Dois pesos… O artigo que culminou na demissão de Maria Rita Kehl do Estadão

Por Maria Rita Kehl, para o O Estado de S.Paulo

Este jornal teve uma atitude que considero digna: explicitou aos leitores que apoia o candidato Serra na presente eleição. Fica assim mais honesta a discussão que se faz em suas páginas. O debate eleitoral que nos conduzirá às urnas amanhã está acirrado. Eleitores se declaram exaustos e desiludidos com o vale-tudo que marcou a disputa pela Presidência da República. As campanhas, transformadas em espetáculo televisivo, não convencem mais ninguém. Apesar disso, alguma coisa importante está em jogo este ano. Parece até que temos luta de classes no Brasil: esta que muitos acreditam ter sido soterrada pelos últimos tijolos do Muro de Berlim. Na TV a briga é maquiada, mas na internet o jogo é duro.

Se o povão das chamadas classes D e E – os que vivem nos grotões perdidos do interior do Brasil – tivesse acesso à internet, talvez se revoltasse contra as inúmeras correntes de mensagens que desqualificam seus votos. O argumento já é familiar ao leitor: os votos dos pobres a favor da continuidade das políticas sociais implantadas durante oito anos de governo Lula não valem tanto quanto os nossos. Não são expressão consciente de vontade política. Teriam sido comprados ao preço do que parte da oposição chama de bolsa-esmola.

Uma dessas correntes chegou à minha caixa postal vinda de diversos destinatários. Reproduzia a denúncia feita por “uma prima” do autor, residente em Fortaleza. A denunciante, indignada com a indolência dos trabalhadores não qualificados de sua cidade, queixava-se de que ninguém mais queria ocupar a vaga de porteiro do prédio onde mora. Os candidatos naturais ao emprego preferiam viver na moleza, com o dinheiro da Bolsa-Família. Ora, essa. A que ponto chegamos. Não se fazem mais pés de chinelo como antigamente. Onde foram parar os verdadeiros humildes de quem o patronato cordial tanto gostava, capazes de trabalhar bem mais que as oito horas regulamentares por uma miséria? Sim, porque é curioso que ninguém tenha questionado o valor do salário oferecido pelo condomínio da capital cearense. A troca do emprego pela Bolsa-Família só seria vantajosa para os supostos espertalhões, preguiçosos e aproveitadores se o salário oferecido fosse inconstitucional: mais baixo do que metade do mínimo. R$ 200 é o valor máximo a que chega a soma de todos os benefícios do governo para quem tem mais de três filhos, com a condição de mantê-los na escola.

Outra denúncia indignada que corre pela internet é a de que na cidade do interior do Piauí onde vivem os parentes da empregada de algum paulistano, todos os moradores vivem do dinheiro dos programas do governo. Se for verdade, é estarrecedor imaginar do que viviam antes disso. Passava-se fome, na certa, como no assustador Garapa, filme de José Padilha. Passava-se fome todos os dias. Continuam pobres as famílias abaixo da classe C que hoje recebem a bolsa, somada ao dinheirinho de alguma aposentadoria. Só que agora comem. Alguns já conseguem até produzir e vender para outros que também começaram a comprar o que comer. O economista Paul Singer informa que, nas cidades pequenas, essa pouca entrada de dinheiro tem um efeito surpreendente sobre a economia local. A Bolsa-Família, acreditem se quiserem, proporciona as condições de consumo capazes de gerar empregos. O voto da turma da “esmolinha” é político e revela consciência de classe recém-adquirida.

O Brasil mudou nesse ponto. Mas ao contrário do que pensam os indignados da internet, mudou para melhor. Se até pouco tempo alguns empregadores costumavam contratar, por menos de um salário mínimo, pessoas sem alternativa de trabalho e sem consciência de seus direitos, hoje não é tão fácil encontrar quem aceite trabalhar nessas condições. Vale mais tentar a vida a partir da Bolsa-Família, que apesar de modesta, reduziu de 12% para 4,8% a faixa de população em estado de pobreza extrema. Será que o leitor paulistano tem ideia de quanto é preciso ser pobre, para sair dessa faixa por uma diferença de R$ 200? Quando o Estado começa a garantir alguns direitos mínimos à população, esta se politiza e passa a exigir que eles sejam cumpridos. Um amigo chamou esse efeito de “acumulação primitiva de democracia”.

Mas parece que o voto dessa gente ainda desperta o argumento de que os brasileiros, como na inesquecível observação de Pelé, não estão preparados para votar. Nem todos, é claro. Depois do segundo turno de 2006, o sociólogo Hélio Jaguaribe escreveu que os 60% de brasileiros que votaram em Lula teriam levado em conta apenas seus próprios interesses, enquanto os outros 40% de supostos eleitores instruídos pensavam nos interesses do País. Jaguaribe só não explicou como foi possível que o Brasil, dirigido pela elite instruída que se preocupava com os interesses de todos, tenha chegado ao terceiro milênio contando com 60% de sua população tão inculta a ponto de seu voto ser desqualificado como pouco republicano.

Agora que os mais pobres conseguiram levantar a cabeça acima da linha da mendicância e da dependência das relações de favor que sempre caracterizaram as políticas locais pelo interior do País, dizem que votar em causa própria não vale. Quando, pela primeira vez, os sem-cidadania conquistaram direitos mínimos que desejam preservar pela via democrática, parte dos cidadãos que se consideram classe A vem a público desqualificar a seriedade de seus votos.

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NR : A direita raivosa não aceita que os mais pobres possam ter um pouquinho mais de dignidade. É muita miséria de pensamento, muita mesquinharia acumulada durante estes anos todos no espírito. Tive a sorte de assistir a uma palestra do Paul Singer e depois, conversando no cafézinho, ele falou com os olhos brilhando da imensa inclusão social que o Bolsa Família proporcionou além de mudar radicalmente a economia de pequenas cidades do interior do Brasil. Daí vem um vampiro… e Vade retro !

retirado de http://betobertagna.com/2010/10/05/dois-pesos…-o-artigo-que-culminou-na-demissao-de-maria-rita-kehl-do-estadao/





quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Do Sonho à Realidade

Muitas das críticas dirigidas nos últimos ao governo federal do PT têm um tom de desilusão em relação ao que foi feito pelo Partido na incumbência do Executivo da União. Cabe aqui uma discussão em duas frentes. Primeiro, se o tom é claramente de desilusão, de rompimento com uma esperança, antes deve haver uma esperança. Significa que, para aqueles que querem uma transformação da sociedade e não concordam com o modo como as coisas estão, o PT representava a possibilidade dessa mudança. E por que o PT deixou de ser, para algumas pessoas, o símbolo de uma transformação possível? Em essência, porque o PT passou a realizá-la. O Partido passou, é verdade, por uma mudança profunda nos últimos anos, mas se atentarmos para as suas principais características, ele continua sendo o representante das classes trabalhadoras no Brasil. Observando o Partido enquanto organização da sociedade civil e não para sua expressão estatal na política eleitoral e nos cargos executivos e legislativos, percebemos que seus principais quadros ainda vêm das camadas trabalhadoras ou pobres da sociedade; que o Partido se liga a entidades reivindicatórias de caráter revolucionário, como as questões LGBT, feministas, campesinas ( MST, apesar dos pesares), trabalhistas (CUT) e outros; que o Partido se faz presente nas lutas políticas em outras esferas que não a do Estado do lado daqueles que são prejudicados pelo status quo, por exemplo, no importantíssimo trabalho que o seu Diretório Zonal do centro de São Paulo faz junto da FLM por moradias no centro da Capital; e em outros tantos momentos. A segunda questão colocada é o porquê do PT ter sofrido essa transformação que teria desiludido a tantos. Não é da pretensão deste artigo fazer uma longa dissertação acadêmica exaustiva e conceitual sobre este assunto, mas existem alguns pontos que podem ser enfatizados; o leitor encontrará alguns textos na bibliografia que o podem fazer de modo mais aprofundado. Uma discussão antiga dos pensadores da política brasileira se refere a problemática da governabilidade. Grosso modo, podemos dizer que governabilidade é a capacidade da máquina governamental, em suas diversas esferas, funcionar sem ser travada por lutas intestinas. Se refletirmos sobre esta grosseira definição, podemos observar que o Estado está, de certa forma, alheio (no sentido de ser estranho a) qualquer um nas suas entranhas, seja nos cargos do Executivo (do Presidente ao Prefeito), nos diversos ramos do Legislativo ou até mesmo na máquina burocrática (os funcionários públicos). Portanto, aqueles que estão no poder são submissos nos seus cargos, por diversos motivos, seja pelas limitações institucionais (a Constituição, por exemplo), seja pelo modo como se chega ao Estado. Na verdade, o que dissemos sobre o Estado em grande medida também é válido para a sociedade. Cada um vê a sociedade como algo distinto de si e não como seu produto, o que é especialmente verdadeiro no campo da economia (é por aqui que vem a definição marxista estrita do conceito de alienação). Vendo por este ângulo, o que o PT teve que fazer para mudar a realidade é adotar um certo pragmatismo para que fosse possível a transformação da realidade. O nascimento deste pragmatismo de esquerda pode em parte ser traçado, no caso brasileiro, até a revisão da posição dogmática do PCB nos anos que antecederam o Golpe de 64 e nos anos posteriores, na revisão da posição militarista adotada por grupos da esquerda nacional influenciados pelo foquismo (MR-8, PCdoB e tantos outros heróis que enfrentaram a Ditadura Militar de armas em mãos). Nesta visão (não estamos utilizando o conceito e sim a palavra apenas), o pragmatismo é uma visão realista da conjuntura e a escolha do melhor ramo de ação dada a realidade, guiada sim por uma profunda inspiração idealista. Ainda sim, não podemos negar que muitas das atitudes do PT deixam a desejar para aqueles que sonham com uma profunda transformação da realidade. É válido perguntarmo-nos como é possível, nesta realidade, realizar um sonho. Não existe uma resposta clara e absoluta, mas através do que expomos e de muito mais, podemos, em parte, responder a esta questão da seguinte maneira: militando e fortalecendo a posição do proletariado (senso-comum) no Estado e na sociedade.Desta maneira, a luta de classes, se entendida como realidade em si, se converte em uma luta em duas frentes: uma difusa, na sociedade (nas campanhas salariais, na luta por terra ou moradia e etc.) e outra concentrada, no Estado (atualmente, nas eleições, principalmente). É especialmente nesta segunda esfera que um Partido como o dos Trabalhadores se faz tão necessário. Pois ele exprime um momento da contradição capitalista no Estado; ele é a expressão das classes desfavorecidas pelo status quo. Por isso e muito mais, termino este artigo com o seguinte apelo: votem nos candidatos do Partido dos Trabalhadores e aliados, principalmente nos do Legislativo (Dep. Estaduais e Federais e os Senadores).


BIBLIOGRAFIA (utilizada ou recomendada):

site da FLM: http://www.portalflm.com.br/
SCHUMPETER, J. 1984. Capitalismo, Socialismo e Democracia. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura
DAHL, R. 1997. Poliarquia: Participação e Oposição. São Paulo: Edusp
NICOLAU, Jairo Marconi, 1999. Sistemas eleitorais: uma introdução. Rio de Janeiro: FGV.
MARX, Karl, 2003. A Questão Judaica. Editora Centauro
ENGELS, Friedrich. "Introdução" in Karl Marx e Friedrich Engels, 1982. A luta de Classes em França. Lisboa: Editora Avante






terça-feira, 10 de agosto de 2010

A universidade pública forte

VLADIMIR SAFATLE

A universidade pública forte


O nosso sistema universitário público merece fazer parte do debate eleitoral


Nestes últimos anos, um dos fenômenos mais dignos de nota foi o fortalecimento da universidade pública graças a um importante ciclo de expansão e interiorização do sistema federal. Tal fenômeno merece estar presente na pauta do debate eleitoral que se inicia.
Em 2002, as universidades públicas federais encontravam-se em situação terminal. O deficit de professores necessários para simplesmente conservar o sistema tal como era nos anos noventa chegava a 7.000. Talvez alguns se lembrem do caso de universidades que precisaram limitar sua atividade noturna por não ter dinheiro para pagar conta de luz.
No lugar das universidades públicas, vimos uma política que incentivava a proliferação de universidades privadas, em larga medida, dissociadas do tripé pesquisa/docência/extensão e cuja qualidade, até hoje, não passou o estágio do duvidoso.
É bem provável que esta experiência tenha mostrado que o sistema privado sai-se muito bem quando é questão de criar centros direcionados à formação para o mercado (como escolas de administração de empresas, publicidade, comunicação, economia, entre outros).
Mas, excetuando as universidades confessionais, os resultados são ruins quando se trata de implementar sistemas universitários complexos capazes de atrair profissionais dispostos a desenvolver habilidades de professor, pesquisador e divulgador de conhecimento.
Alguns criticam o processo recente de ampliação e fortalecimento da universidade pública afirmando que se tratam de universidades caras e de baixa capacidade de absorção das exigências de empregabilidade. No entanto, o sistema universitário público brasileiro é, em larga medida, adequado para os desafios do nosso futuro. Ele garante autonomia de pesquisa ao corpo docente, flexibilidade relativa de escolha de disciplinas para alunos (o que permite particularização da formação), além de abertura para a constituição de estruturas interdisciplinares.
Não precisamos discutir o modelo universitário público, mas aprofundá-lo, permitindo que ele democratize seus modos de gestão, de decisão e que enfim desenvolva todas suas potencialidades e pluralidades.
Por exemplo, vez por outra, aparece alguém afirmando que seria melhor às universidades públicas terem ligação mais profunda com o mercado, um pouco como certas universidades norte-americanas, cuja boa parte de suas linhas de financiamento depende da capacidade em captar recursos da iniciativa privada.
No entanto, seria interessante perguntar a estas pessoas quem então pagará pesquisas que visam mostrar a ineficácia de tratamentos do sofrimento psíquico baseados na medicalização. Certamente, não a indústria farmacêutica. E quem pagará as pesquisas que mostram a participação do empresariado nacional na Operação Bandeirantes e no financiamento do aparato repressivo da ditadura militar? Certamente, não o empresariado nacional. E quem pagará as pesquisas que visam expor os resultados catastróficos da liberação das ações do sistema financeiro em relação à tutela do Estado? Certamente, não os bancos.
Estes são apenas alguns exemplos de limitação do espectro de reflexão da universidade caso um novo modelo se imponha e caso relações de parceria entre mercado e universidade se transformem em confissões de dependência.

VLADIMIR SAFATLE é professor no departamento de filosofia da USP

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Mano Brown

Para os que me criticam por ser academicista demais, deixarei o Mano Brown falar sobre o que quero escrever:

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Dançando

O que é dançar? A primeira vista pode parecer uma pergunta óbvia e longe do que até agora foram os temas que nortearam este blog, mas se analisarmos mais aprofundadamente e com um certo enfoque, perceberemos a importância que esta discussão, aparentemente esteta e trivial, tem para a crítica.

Em primeiro lugar, devemos atentar para o que todas as danças têm em comum. Antes de mais nada, vale algumas ressalvas. Procuraremos abordar aqui as danças tidas como ocidentais ou latinas, o que nos preservará de consultar e ter atenção com etnografias, ao menos no sentido clássico, ou seja, as sociedades "exóticas" ou estrangeiras. Ainda assim, se pensarmos com Geertz e o seu "outro", ainda estamos de certa forma em um domínio da antropologia. Sendo assim, nos prenderemos, em parte devido a razões arbitrárias como o conhecimento por parte do autor, a três danças, entendidas em um contexto cultural da classe média paulistana; são elas o techno, os shows de metal e o forró universitário. Também devemos alertar para o fato de que este artigo é amador e não é baseado em uma pesquisa inédita, o que significa que não está escrito em cima de dados empíricos recolhidos com rigor metodológico nem com ferramentas analítico-interpretativas epistemologicamente refletidas (nem bibliografia tem!). É só um artigo.

Voltando à nossa primeira reflexão, todas as danças que tomamos como objeto deste artigo têm em comum pelo menos dois fatos: são dançadas em grandes grupos de pessoas ao som de música. Se ampliarmos o nosso enfoque objetivo e pensarmos em outras danças "ocidentais-latinas" como a dança de salão, o samba ou o Zouk, esta definição ainda se aplica. Porém, se observarmos a Dança do Ventre, esta definição não será verdadeira. Para superarmos este problema, danças como a Dança do Ventre são performances para um público e não danças no sentido estrito que estamos estipulando aqui. É verdade que todas as danças que serão analisadas têm suas vertentes performáticas, mas analisaremos as danças enquanto danças, ou seja, quando não dançadas visando uma performance, em outras palavras, quando o executante não dança para um público que o entende como um performante.

Passemos agora a uma análise em separado do que as danças-objeto têm em comum. Em primeiro lugar, são dançadas em eventos sociais, ou seja, todas as danças que tomamos por objeto são dançadas em ambientes em que muitas pessoas também estão dançando. Mas, ainda no quesito "coletividade", os nossos objetos têm grandes diferenças. O techno não é dançado em conjunto; dança-se individualmente em meio a muitos outros dançarinos individuais. É verdade que existem certas coreografias realizadas em conjunto, porém na imensa maioria do tempo o techno é dançado sozinho. No forró universitário, não é possível executar nenhuma coreografia sozinho. É preciso um par, necessariamente. Ainda assim, são poucas ou muito raras (podemos tomar como exceções) as coreografias que são executadas em trio ou em mais pessoas (a quadrilha está fora, portanto). Parece estranho entender um show de metal a primeira vista como um evento onde se dança, mas observemos que existe um ato corporal rítmico em um ambiente com música e muitas pessoas que também executam este mesmo ato rítmico. Com relação a coletividade do headbanger, o balançar de cabeças é essencialmente individual. Mas, se prestarmos atenção aos vários gêneros de mosh (existem diversas modalidades, como o stage diving em que se pula em cima de um mar de pessoas ou como o circle pit , onde os participantes se batem de maneira regulada, geralmente com brigas simuladas ou com cotoveladas aleatórias), são necessários outros dançarinos para a execução destas coreografias, muito comuns e até mesmo esperadas em eventos de Rock pesado, o que situaria esta dança-tipo em meio termo em uma escala de coletividade entre o techno e o forró. Mas essa colocação é precipitada. Se analisarmos por outro ângulo, temos no forró casais individuais dançando. Apenas nos shows de rock pesado temos grandes grupos, que muitas vezes incluem todo o evento, em uma única coreografia que é necessariamente executada em conjunto. De forma análoga porém diversa, nos eventos com música eletrônica (pensemos no que muitas pessoas chamam de balada putz-putz) algumas vezes uma única coreografia é executada por um grande grupo que pode incluir boa parte dos participantes do evento. Mas esta coreografia é individual, ela é apenas repetida por vários dançarinos, diferentemente dos grandes circle pit que por vezes cobrem todo um show (aqueles que já foram em show de bandas como Slayer ou Sepultura entendem o que direi) em que todos os participantes são necessários para as brigas simuladas, ou com quem se brigará? Pois os golpes desferidos na maioria dos casos aleatoriamente visam como que acertar a todos. É por isso que eles não miram outro participante em particular, tal como os rodopios do forró, seu homólogo inverso.

Com relação a música, outro traço em comum de todas danças tomadas como objeto, podemos observar que ela é escutada por todos os participantes. Em outras palavras, se entendermos a dança em sua dimensão técnica como atos corporais executadas ritmicamente, o ritmo é dado por uma música. Seria escapar muito do enfoque deste artigo pretender uma análise da música, mas antes de mais nada podemos entendê-la como uma mensagem. Estamos aqui estabelecendo uma grosseira clivagem entre música e canção, também pressupondo que toda canção precisa de uma música. A música é portanto entendida independentemente de qualquer letra que, como canção, possa conter. Podemos dizer, em outras palavras, que a mensagem estipulada acima que a música passa vêm apenas de seus componentes instrumentais. Os conhecimentos musicais do autor não permitem que este seja capaz de uma análise precisa ou conceitual da relação que acredito complexa entre dança e música, mas podemos facilmente observar que esta existe observando qualquer dançarino das danças-objeto. Tomando de certa forma como pressuposto (apesar de acreditar que existam muitos autores que abordem este tema), todos os participantes dos eventos em que se dança as danças-objeto norteiam suas coreografias pela música tocada naqueles. Ou seja, se observamos, todos se pautam por uma mensagem em comum. Ainda na questão da técnica, ignoraremos a dança enquanto uma perícia, em outras palavras, seu conteúdo refletido e "estudado" que se reflete nas elaborações de coreografias, apesar de ser também um tema interessante e bom pra pensar. A relação do ritmo com o ritmo da dança é complexa, mas pensemos nas danças-objeto. O tempo dos movimentos do forró é dado pela música assim como o tempo dos movimentos individuais do dançarino de techno. Quando o espectador de um show de rock bangueia (do inglês balançar, quando balança a cabeça) o ritmo é claramente dado pela música, mas o mesmo não ocorre de maneira tão óbvia durante os moshs. Ainda assim, o momento do mosh, o instante em que ele é realizado, é dado pela música (muitos metaleiros e outros freqüentadores de shows de música pesada argüiriam que os movimentos são executados de acordo com o ritmo da música). Com certeza, as músicas pesadas são pensadas como se fossem um mosh, fato que podemos constatar se percebermos que os moshs costumam ocorrer nos shows daquelas bandas cujas músicas são mais rápidas e, de certa forma, naquelas em que percebemos de certa forma uma textura violenta no ritmo de seus diferentes instrumentos e na relação destes.

E o que podemos concluir de todo o exposto? Se a música é uma mensagem escutada por todos os participantes de um evento social e a dança é pautada em seu ritmo, podemos entender que a dança é uma mensagem em comum repetida várias vezes pelos executantes em uma língua corporal que todos entendem (a técnica da dança, sua perícia). Os dançarinos em um evento social com dança repetem uns para os outros uma mensagem de forma ininterrupta. Com certeza, essa mensagem será texturizada pelas diferentes coreografias, mas o essencial para a compreensão mútua ainda é a mensagem. Não se dança fora do ritmo; é o erro mais primordial que um dançarino pode cometer. A fruição intelectual ( o prazer intelectual do qual Lévi-Strauss fala) da dança reside na tradução de uma mensagem musical, e portanto sonora, em uma linguagem corporal. Mas não é só isso. A dança, como estipulada aqui, é social. Mesmo que a dança seja individual, tal como o techno, ainda sim não se dança sozinho. O coletivo da dança é o ritmo em que todos dançam. O mais importante para que o seu par no forró universitário consiga acompanhá-lo é uma boa compreensão do ritmo e sua posterior tradução em linguagem corporal. De forma análoga, destoa-se da multidão quem não dança no ritmo em uma festa de música eletrônica; sua perícia será desvalorizada. Mesmo que individualmente possa se iniciar um mosh no momento que se quiser em um show de música pesada e que possa desferir os golpes fora do ritmo, o mosh só se tornará realmente amplo quando iniciado no momento certo. Na verdade, e o mais interessante, é que para a violência regulada durante um espetáculo ser um mosh, a música tem que estar tocando; nem se pensa em um mosh fora dessas condições pois são elas que o caracterizam. O vocalista realiza um stage diving durante o solo de guitarra, por motivos técnicos, mas também pois é isso que se espera. A questão não nem tanto o ritmo, mas o que se espera. O ritmo é o esperado na dança de forró, mas além dele existem muitas outras questões que devem ser superadas para o casal dançar. Os dançarinos esperam uma mensagem repetida em comum para se entenderem e isso é dançar. Sem mensagem em comum não há dança. E mais: não é qualquer mensagem, mas uma mensagem determinada. Experimente tocar forró para uma audiência que aguarda um show do Cannibal Corpse. Assim são as sociedades; elas dançam de acordo com uma música; a coreografia dos dançarinos se reproduz enquanto aquela música toca. A relação dos eventos sociais com dança e das sociedades não é bem uma metáfora nesta análise, mas antes uma metonímia, pois tratamos uma parte e, indo para as sociedades, queremos abordar um todo agora. Pois os dançarinos e as pessoas em sociedade são seres humanos em uma coletividade, mas, é claro, de naturezas e formas bem distintas. Ainda assim, existe uma estrutura em comum. As pessoas, que são pessoas pois vivem em sociedade ( a transformação pela cultura, de forma grosseira), vivem de um determinado modo e este modo é comum a elas. Em outras palavras (tentem perceber a metáfora E a metonímia), as pessoas dançam de acordo com uma música. E o mais interessante; quem não vive de um determinado modo não é compreendido, pois está fora do "ritmo" (pensem nos loucos, mas não só neles). Em outro artigo, procurei mostrar que para toda sociedade, entendida no tempo e no espaço, existe um conhecimento tido como legítimo. Este fato é outra expressão do exposto neste artigo. Não podemos tocar a música errada para o público errado. De fato, as sociedades são dinâmicas e as pessoas passam a viver de diferentes maneiras (como sempre nos mostram a história, no tempo, e a antropologia, no espaço), mas se observarmos os dançarinos em um instante, aqueles que dançam de forma diferente destoam; não estão na dança. Este é o destoar das sociedades. Os marginais, os críticos, os "excluídos" estão todos fora do ritmo. O interessante dos eventos com dança é que os dançarinos, ao menos no nosso objeto, não tocam a música, diferentemente das sociedades, em que os próprios dançarinos são os músicos. É dessa forma que juntamos Durkheim, forró, Iron Maiden e Gramsci: perguntado-nos como, dançando e tocando a música de nossa própria dança, podemos fazer todos dançar outro ritmo e sermos compreendidos e aceitos. Eis o trabalho da crítica: falar outra coisa e ainda ser entendida. É bem difícil.



quarta-feira, 30 de junho de 2010

A Reforma Política

Esta segunda dia 28 de Junho de 2010, o programa Roda Viva entrevistou a candidata à presidencia da República Dilma Roussef. Foi, como disse Heródoto Barbeiro, "a última entrevista de uma série com os 3 candidatos melhor colocados na corrida presidencial". Nesta entrevista, a candidata que hoje está na dianteira das pesquisas, a "sucessora de Lula", tocou em alguns temas muito importantes em discussão. Um é a reforma tributária, tema que não será abordado nesta postagem. O outro é a reforma política, tema cuja importância é elementar, e que será ponderado agora.
Após 20 anos de democracia, os jornalistas, acadêmicos e políticos ainda falam exaustivamente na chamada "reforma política". Do que se trata? Em geral, falar em reforma política significa pregar a alteração nas "regras do jogo". Em outras palavras, significa alterar as leis eleitorais. Claro que mudar para um sistema parlamentarista não deixa de ser uma alteração no sistema político, mas o que se fala hoje em dia nos ambientes acadêmicos e jornais especializados é muito menor, e ainda muito difícil de ser conseguido, que é aperfeiçoar o processo eleitoral.
Neste tema, muito se é falado, desde mudar o sistema eleitoral legislativo para o formato distrital (em decorrência do proporcional aplicado hoje), dentre outras inúmeras propostas. Todas possuem defensores e atacantes. Duas propostas, no entanto, possuem uma relativa unanimidade, ao menos no meio acadêmico. São o voto em lista fechada e o financiamento público de campanha.
Sobre a lista de votos, existem basicamente três sistemas de votação para a eleição do legislativo. Há o voto em lista aberta, no qual o eleitor vota em um nome, um candidato específico à Camara dos vereadores, deputados estaduais e federais; o voto em lista fechada, no qual ele vota em um partido, e este possui uma lista própria de quem são os candidatos que assumirão, dependendo da votação. Existe ainda uma terceira modalidade, a mista, que são na verdade variações entre o primeiro e o segundo modelo. Mas o voto em lista fechada é praticamente uma unanimidade para os cientistas políticos. Por que? Ora, parece um contra-senso. Atualmente as pessoas tem um grau baixo de confiança nos partidos políticos. Isto é praticamente uma herança latino-americana, onde o personalismo do poder, o coronelismo e o populismo são fenômenos tão recorrentes.
A razão da defesa do foto em lista fechada parte exatamente destes fatores. Com o partido decidindo quem são seus candidatos, diminuirá muito o poder pessoal destes. Forçaria-se na campanha a ideologização dos partidos, e ao invés de se mostrar aquela lista infindável de candidatos engraçados, chamativos ou sisudos, o partido teria de mostrar seu programa de governo, suas propostas, seu projeto político. Fenômenos como "malufismo", "getulismo", "lulismo" e outros seriam impossíveis em eleições legislativas, já que seus nomes seriam apenas mais um nos "pacotes" propostos pelos partidos, por ordem de interesse e competência.
Em uma reforma bem sucedida, reduz-se a "politicagem": o número de políticos que são eleitos por chinelos, aparência, ou trejeitos engraçados; e aumenta-se o número de políticos técnicos, preparados para executar o projeto político dos partidos. Muitos podem dizer que não confiam nos partidos. Ou dizem "como você pode votar neste partido se fulano foi envolvido neste escândalo?". Mas é exatamente este o pensamento. Os partidos pegam nomes "fortes" como Clodovil ou Cãozinho dos Teclados, pois não possuem obrigação de prestar contas com os seus projetos ideológicos e os seus votantes. Em outras palavras, todos sabem quem é o Collor, mas alguém se lembra qual é o partido dele?
Além desses fatores, a lista fechada consiste numa simplificação do sistema eleitoral. Bem ou mal, a maior parte dos eleitorados do mundo vota nas eleições e depois esquece o candidato em quem votaram. Apesar das críticas por parte da mídia e pelo senso comum, estatísticas mostram que esta não é apenas uma realidade brasileira, mas praticamente mundial. Pessoas tem suas vidas, e elas não querem gastá-las fiscalizando seus deputados se elas tem que trabalhar no dia seguinte. É triste, mas é a realidade! Deve-se lidar com isso, não ficar desejando uma postura angelical de todos os eleitores de um país de 190 milhões de habitantes. É mais fácil o cidadão se lembrar e cobrar uma postura dos partidos em que votaram do que de nomes particulares.
Pelas razões expostas a lista fechada é adotada na maior parte dos países desenvolvidos e democraticamente estáveis, especialmente os de sistema proporcional, no qual as minorias tem forte representação (como no Brasil). O PT faz atualmente uma composição com PSDB e DEM, a oposição (!!!), para aprovar uma reforma defendendo a lista fechada, para se ter noção da unanimidade que ela representa para a ciência política. Em oposição vem os políticos mais coronelistas, personalistas, de partidos menos definidos ideológica e programáticamente como o PMDB, PP, etc.
Por último, gostaria de falar da outra reforma, esta precisando de muito menos explicação. É o financiamento público de campanha. Ela é exatamente isso que se propõe, o Estado paga as propagandas políticas dos partidos. Os cidadãos menos estudados na ciência política podem se levantar com um grito "como!? Era só o que faltava pagar campanha de político com imposto". Na verdade, o financiamento público tem benefícios que o tornam também uma semi-unanimidade.
Todos sabem da participação de lobbies, empresas, sindicatos, fazendeiros, ONG's, ou o que seja nas campanhas políticas. O financiamento público é uma medida que proíbe a participação destes terceiros, impondo desde já uma quantidade definida de dinheiro que o partido pode utilizar para eleger seus candidatos. Primeiro, afasta-se em muito a influência de personagens não-políticos. Depois, esta é uma medida extremamente efetiva de combate à corrupção, muito do desvio de dinheiro ou favorecimento em licitações se dá em razão do dinheiro da quantidade de recursos que o candidato terá para se eleger.

Expondo esses dois tópicos, este autor se despede de vós. Quero, ao contrário da grande mídia, deixar bem clara minha posição, para que ela possa ser elogiada ou criticada. Este blog é A FAVOR das duas reformas, e espera que os candidatos eleitos, seja qual forem, possam participar deste aperfeiçoamento da democracia brasileira.

Por Lucas G. F. F. Lima

sábado, 26 de junho de 2010

A "Descoberta" e a Ciência

Debaterei brevemente sobre a formulação de teorias e a influência das chamadas "descobertas", relacionando, quando possível, com a sua influência na sociedade.

Desde muito, todos acreditam que Pedro Álvares Cabral não descobriu o Brasil em 1500. Apenas uma corrente da historiografia nacional, tida como mais tradicional, admite ainda essa hipótese. Mas a palavra "descoberta" ainda está arraigada em uma concepção ampla de como funciona o processo de alargamento do conhecimento. Esse fato tem um peso especialmente importante quando se trata das sociedades e da vida do homem, de forma mais genérica.

O que é que se entende por "alargamento do conhecimento"? Pressupõe-se, por exemplo, um avanço contínuo em uma escala do conhecimento humano em geral? Admitamos essa vulgata como sendo a mais generalizada no chamado "senso-comum". Antes de mais nada, esse pressuposto passa necessariamente por uma capacidade do homem de apreender plenamente o real. Passando por cima de toda a discussão epistemológica (como o debate entre Kant e Hume) e existencialista (Sartre, por exemplo), mesmo assim, é-se obrigado a aceitar que tal afirmação é, no mínimo, complicada de se confirmar, dado a complexidade do tema por si só. Também devemos levar em conta o modo como este "alargamento do conhecimento" se dá. A sua forma é dada pela história e pela cultura; basta se atentar para os diferentes grupos humanos que foram tidos como os legítimos para tal função na história européia, os filósofos greco-romanos, a Igreja Católica, os acadêmicos e etc. É justamente neste ponto que Kuhn trabalhou seu "Estrutura das Revoluções Científicas"; existe, para toda sociedade e cada tempo, um conhecimento que é tido como legítimo. É fácil de se verificar essa afirmação se observarmos que toda vez que um grupo de legítimos produtores intelectuais suplantou outro na história européia, essa suplantação tratou-se da negação de toda produção intelectual anterior ou sua total reformulação.

Apesar de não o parecer em um primeiro instante, o exposto acima tem grandes conseqüências para a vida cotidiana. A cosmogonia de cada sociedade é o modo como esta como um todo entende a realidade. Assim, a discussão entre o heliocentrismo e o geocentrismo teve importantes conseqüências na sua época na história ocidental, o que, aliás, reforça a tese levantada anteriormente sobre os grupos de produção intelectual tidos como legítimos. Com relação ao conhecimento que o homem tem do homem, a importância desta discussão se torna ainda mais patente. O primeiro tema seria responder a pergunta "o que é o homem?". A antropologia, especialmente com Franz Boas, demonstraria que quase todas as sociedades colocaram nos seus limites o limite da humanidade, fato conhecido como etnocentrismo. Ainda mais: Pierre Clastres mostraria com que dinâmica o etnocentrismo se desenvolveu na sociedade ocidental, mostrando a que conseqüências essa levou. O antropólogo denominou de etnocídio a destruição dos modos de ser de uma sociedade e afirmou que a sociedade ocidental é etnocída por excelência. Para entender essa questão, basta atentar para o fato de que o cristão "ideal" divide o mundo entre fiés e infiés, mas todos são humanos, e é dever todos os "bons cristãos" converter aqueles que não o são. É a discussão de Kuhn com relação aos produtores intelectuais legítimos, mas transposta de seu eixo histórico para um eixo étnico, ou seja, entre sociedades. Aliás, aqui entrevemos o perigo do "correto". Na lingüística, a discussão sobre o "bom português" passa essencialmente por essas idéias e o mesmo se dá na estética, como Lukács mostra. Por fim, Marx em "Ideologia Alemã" cunha, sobre um tema semelhante, a famosa afirmação, de que "as idéias de uma época são as idéias de sua classe dominante".

A discussão pode ainda ser trazida para o debate nacional. A economia, por exemplo, em seu modelo atual encaixa-se na chave interpretativa exposta. No "Capital", Marx faz uma discussão semelhante quando trata do conceito do fetiche, especialmente em relação aos economistas políticos clássicos, como Mill. Para colocarmos essa discussão na contemporaneidade, basta pensarmos em como, para alguns economistas nacionais e em especial Delfim Netto e seus seguidores, os investimentos externos e a exportação se converteram em uma espécie de Santo Graal que a sociedade brasileira deve buscar. As teorias que o afirmam fundamentam-se, é claro, em algum tipo de modelo cartesiano empirista, o que as dá um forte senso de "real". É dessa forma que uma legitimidade social é transubstanciada em uma legitimidade epistemológica. Neste campo, não podemos negá-la. Ainda assim, podemos atentar para o fato de que toda teoria é um conjunto de ênfases sobre o real, conjunto de ênfases escolhido com vistas ao fim para o qual a teoria é formulada, consciente ou insconscientemente, se podemos dizer assim. Fazendo uma analogia com a história da Física, o embate entre o heliocentrismo e o geocentrismo pode ser entendido como o embate entre duas ênfases sobre o real postuladas por dois grupos de produtores intelectuais que rivalizavam no papel de legítimos para a sociedade, dado que cada conjunto de ênfases atendia às diferentes necessidades culturais de classes sociais que disputavam a hegemonia naquela sociedade. Voltando para a questão da economia nacional, as teorias econômicas que dão preponderância para o desenvolvimento, em especial aquele que depende de investimentos estrangeiros e as exportações, atendem às necessidades culturais daqueles industriais e grandes latifundiários que daí tiram seus gordos lucros. Toda classe, para manter seu poder social sobre uma sociedade, deve convencer as outras classes de que são as suas necessidades materiais as necessidades da sociedade como um todo. O confronto entre idéias, que muitas vezes pode parecer meramente intelectual ou acadêmico, pode ser, e o é em muitos casos, um confronto material dentro da sociedade. É por isso que, para entender a dinâmica das idéias, devemos buscar a resposta na realidade material da sociedade.

Mas a sociedade não é uma estrutura rígida imune a transformação. Podemos, de forma grosseira, dividir a vida coletiva do homem em duas esferas: a social, e portanto, material, e a cultural. Discutir em qual das esferas se opera a ação histórica é como discutir se o ovo ou a galinha vieram primeiro; podemos, quem sabe, admitir como sendo contemporâneas as transformações. De qualquer modo, essa discussão escapa ao foco deste artigo. A questão é, dada a discussão exposta até aqui, o que é teoria crítica? Criticar é propor um novo enfoque para a realidade, olhando-a sobre um novo ângulo. Os teóricos críticos atendem às necessidades culturais dos grupos sociais que estão à margem do poder social. É verdade que a própria cultura oferece os caminhos alternativos a ela mesma. Em outras palavras, existem modos estabelecidos pela própria sociedade para se ir contra a sociedade pelos membros desta. Para um exemplo concreto, basta atentarmos para os movimentos contra-culturais, tão caros a juventude, como os punks e outras das chamadas "tribos urbanas". São modos tolerados de se rebelar de maneira organizada contra o status quo. Poderíamos ir além e nos perguntarmos se a própria Universidade não se encaixa aqui. Mas, ainda assim, devemos admitir que existe um peso na discussão cultural e o que o mero fato desta existir já pressupõe em si a presença de uma vitória na luta social. Deste modo que Gramsci concebe o trabalho do crítico e Engels enxerga a necessidade pela da luta pelo sufrágio universal. A revolução se torna, assim, o trabalho de fazer todos que vêem o mundo pela direita enxergarem-no, ao menos uma única vez, a partir da esquerda.


segunda-feira, 14 de junho de 2010

Desenvolvimentos Históricos: Centrais Sindicais como Sujeitos Dialéticos

Pretendo fazer uma curta exposição de uma discussão que creio ser mais profunda do que a superficialidade de um artigo de blog pode deixar desenvolver. Como pretexto argumentativo, discorrerei sobre as Centrais Sindicais.

Alguns setores de esquerda ou do sindicalismo costumam taxar a CUT de pelega. Os argumentos que citam para tal são dos mais variados, e, para evitar uma pesquisa mais extensa, aludirei apenas a uma vulgata que acredito expressar algo como um meio termo simplificado da idéia central deles. O eixo central geralmente gira em torno da ligação da Central com o partido incumbente. Costuma-se, durante as argumentações, desenvolver-se um processo histórico no qual a CUT é retratada. Em um período, geralmente entre o final da década de 1970 e o começo dos anos 1990, aparece como protagonista da luta trabalhista no Brasil. A CUT é, para nossos idealizados contestadores, caracterizada como uma das representantes das classes que não controlam a ordem social, em sua expressão trabalhista (talvez, desenvolvimento organizado do proletariado mesmo). Implícita ou explicitamente, o PT é definido como sendo a expressão política no mesmo período. Variando de fonte para fonte, um momento de transformação é colocado, geralmente posicionado em meados da década de 1990 ou em pouco antes de 2002. Neste instante, o PT e a CUT teriam se rendido ao grande capital ou às regras "do jogo", acabando com seu vanguardismo revolucionário. O PT e a CUT, sem nenhuma realização, agora são mais instrumentos na mão da burguesia na luta de classes. O desenvolvimento dialético teria regredido ainda mais na luta entre proletariado e burguesia, já que a sociedade encontra-se agora ainda mais "alienada" (no sentido mais vulgar do marxismo vulgar) do que nunca, enganada por um partido e uma central que se dizem "dos trabalhadores" sem o serem de fato.

Analisemos a vulgata criada mais pormenorizadamente. O processo é, grosso modo, dividido em dois momentos. Em um deles, o PT é protagonista, em outro, antagonista. No momento em que o PT se torna antagonista, a CUT, sua associada, também se torna. O primeiro momento retrata o final do Regime Militar, momento em que a contradição das classes é, aliás, evidente no Estado, controlado pelos militares com óbvia tendência por uma classe (não caberá aqui uma análise classista do Regime Militar; paremos por aqui). Durante os anos entre 1979-1985, víamos as primeiras crises pós-Milagre Econômico e as primeiras respostas neoliberais a estas, o que evidenciaria a contradição no trabalhismo e em outros campos. O seu posterior desenvolvimento, durante o governo Sarney, também evidencia e aguda ainda mais as múltiplas manifestações da luta classista. Não se associam aqui a formação dos sindicatos ou o fortalecimento das pastorais com essa evidência, apesar de existir sim certa correlação, mas antes enxerga-se nesse processo mais uma constatação do exposto até aqui. Por onde se olha, não só a evidenciação da contradição é clara, como o protagonismo dialético do PT e da CUT também o é. Assim, podemos entender como qualquer analista é obrigado a admití-lo e, muitas vezes, sacralizá-lo com certa nostalgia.

Continuando no momento seguinte, em algum ponto, talvez exposto em um caso, como as eleições de 2000 ou 2002 (em geral, muito antes), o PT teria se tornado um instrumento nas mãos da burguesia. Apenas em uma questão de tempo, geralmente quando Lula é eleito, a CUT também se torna, costumeiramente agravado pelo fato de esta se tornar um instrumento estatal da luta de classes em prol da burguesia. A análise da vulgata dividi-se aqui em dois pontos. Em um ponto, o PT transforma-se, o que seria evidente nas dissenções partidárias. O partido teria se integrado de uma outra maneira com a sociedade. Antes de tudo, faz-se necessário aludir ao fato de que a própria sociedade se transformou. Não só o contexto global, com o fim da Guerra Fria e a Nova Ordem Mundial, mas também o próprio modo interno da sociedade brasileira. Não procurarei definí-lo de maneira pormenorizada, mas podemos inferir uma clara mudança, que se expressa de múltiplas maneiras. De modo geral, as instituições positivas da sociedade, suas manifestações concretas como os sindicatos, igrejas, associações de bairro e até mesmo as empresas , ao menos no discurso, se tornam mais democráticas, em tantos sentidos quantos os que puderem ser dados a essa palavra. A importância do discurso de democracia é quase universal durante o século XX, mas no despontar do século XXI ele adquire um novo sentido, que não pretendo precisar aqui, mas que, de certo modo, podemos entender como um humanitarismo, sensível na mídia com a importância da questão ambiental e da iniciativa individual nesse campo. É, com certa extrapolação, a idéia que muitos pensadores têm, como o brasilianista norte-americano Thomas Skidmore. No campo político, essa transformação poderia ter se manifestado como uma maior abertura do Estado brasileiro à Sociedade Civil. Essa abertura não é, obviamente, plena. A Sociedade Civil não passou a deter o absoluto controle do Estado, que de certa forma continua alheio a esta. Mas, sobretudo, as contradições da própria Sociedade Civil encontram no Estado mais um meio de expressão, e vice-versa. Vale a pena ressaltar ainda que Sociedade Civil e Estado também são dois momentos de realização de um conceito, mas deixemos essa complexa discussão para outro artigo. Voltando a questão em pauta, a transformação que o PT operou em si mesmo, pautada em muitos âmbitos, foi como se fosse de linguagem. O PT passou a expressar-se politicamente em outra língua, em outra esfera. O PT é a expressão de um termo da contradição da Sociedade Civil no Estado, limitado pelas contigências dessa expressão mais ampla e anterior logicamente. Acima de tudo, tal como as eleições, é uma das expressões. Nem a final, nem a mais ampla, nem a mais fetichizada: limitada, tal como todas as outras. Deste modo, caem por terra interpretações de uma esquerda paternalista que vê no povo brasileiro, tal como a direita, um ignorante absolutamente enganado, incapaz de compreender a sociedade que vive e as limitações de seu espírito, enquanto homem inserido na História.

E a CUT? Se a enxergarmos como mero apêndice do PT (sendo que não o é), ainda assim ela cumpre um papel na expressão da Sociedade Civil no Estado. Essa é uma expressão de duas vias: conglomera os sindicatos e os liga ao Estado, tanto no sentido desses intervirem neste, quanto este intervir naqueles. Dito de outro modo, se a CUT é o Estado em parte, o Estado é a CUT em parte. A ligação da CUT é o coroamento da luta trabalhista brasileira histórica na expressão que esta encontrou. Se extrapolarmos nossa vulgata , qualquer movimento classista reconhecido oficialmente, ou seja, que esteja presente no Estado passou, essencialmente, a ser um instrumento nas mãos da manutenção da ordem imposta e do momento atual. Como Marx demonstra em "18 de Brumário", a luta política em uma sociedade com um Estado centralizado, tal como a nossa que poderíamos identificar com a França descrita por Tocqueville, é a luta pelo Estado. Este é um instrumento central em qualquer embate. Se o Estado agora permite que muitas soluções diluam-se em sua Quimera, é no mínimo estratégico diluir a luta classista nele.

Exposto tudo isso, gostaria de concluir de maneira explosiva. Concordo com a vulgata contra qual escrevi, após esta ser relida através de uma Gestalt conceitual. O atual momento deve e será superado, em socialismo ou em barbárie. É uma releitura grosseira de Lenin, mas o PT e a atual democracia devem ser superados. Ainda sim, este é o modo como a luta de classes e o desenvolvimento dialético dessa se encontram no momento. Não sei quais serão os próximos sujeitos pelos quais se manifestarão os próximos momentos, não farei futurologia. Pensaria no MST ou na classe média que emerge na periferias na atualidade (2002-2010). O formato da sociedade brasileira altera-se radicalmente, apesar de não alterar a estrutura inerente a uma sociedade capitalista. Esta sociedade não permanecerá a mesma após o boom educacional, que além de tudo reproduz a sociedade de uma outra maneira (outro artigo abordará a educação no Brasil comparada com a de outros países), a radical diminuição da desigualdade social, a um desenvolvimento capitalista em um nível sem precedentes, a um Estado que revoluciona dia-a-dia sua inserção na comunidade dos Estados e a tantos outros fatos que escapam a minha capacidade analítica limitada. Essas alterações não ocorrem só no Brasil, mas em toda a América Latina e, quiçá, em toda a "Periferia do Mundo". Apenas posso entrever a mudança, não seus efeitos. Posso limitá-los a um campo, mas não definí-los.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

O Terceiro Setor: A Sociedade Civil se contorce

É fácil perceber um movimento da economia global em que o setor de serviços converte-se cada vez mais no principal foco do trabalho produtivo, na acepção marxista do termo. E, justamente, seguindo a lógica constante do Capital, é mais um dos momentos onde a contradição de classes se realiza. Esta se expressa nas condições cada vez mais degradantes que estes trabalhadores se encontram, manifestadas no apanágio do neoliberalismo moderno: a terceirização. A palavra é irônica ela mesma; carrega a "nova onda", já velha, da classe burguesa e o novo, também já velho, campo onde a luta de classes se manifesta. É mais um dos momentos da luta pela Jornada de Trabalho, realizada agora no âmbito da garantia dos direitos trabalhistas desse setor. Na esfera da "grande política", no Congresso ou nas eleições federais, é travada entre os defensores das privatização e os que a combatem. Em si mesma, as privatizações são a terceirização do Estado. Este entrega seus órgãos produtivos nas mãos diretas da burguesia, sem passar pelos mediadores estatais. Mas como esse movimento se expressa na América Latina, especialmente no Brasil, e como interpretá-lo? O Estado cumpriu no Brasil e em outros países o papel histórico das burguesias industrial e financeira. Fez a revolução que a burguesia agrícola, pela sua mediocridade colonial, não queria fazer, representando-a ainda assim. Foram necessários muitos Getúlios para perpetuá-la. Agora, quando os ventos da mudança começaram a soprar no final do século XX, a burguesia como um todo reclamava o que acreditava ser seu por direito. E que ventos foram esses? O próprio Estado passou a ser um dos campos em que a luta de classes se realiza, não mais como mero instrumento de uma delas, mas sim em sua capacidade de ser instrumento. É o que vemos, em partes, concretizado na Inglaterra e na Itália até a década de 70. Avanços e recuos constantes nos limites de um Estado essencialmente conservador apreendido por uma sociedade civil.

E o que tudo acima exposto de forma tão grosseira significa efetivamente para nós, brasileiros, às portas de mais uma eleição? A consolidação da Nova República nas eleições de 2002 dá a chave do Estado para a sociedade civil. Mas devemos entender que isso significa que suas contradições internas encontram mais um meio de se expressar, ou seja, não é uma transformação em si, mas pode vir a se realizar. E realiza-se, de fato. O Estado é e sempre será um instrumento em essência conservador. Mas devemos tentar enxergar que suas manifestações podem ter um caráter progressista; dançando em seus limites, alargamo-los. É assim que se conquistam os direitos trabalhistas, que se altera a política internacional de colonialista à progressista, que são instalados programas de distribuição de renda, que se universaliza de fato a educação, que se expande o microcrédito e etc. A luta de classes manifesta-se também nas eleições, mas não somente nela, e isso é crucial. Mas, devemos ser realistas e observar que a relação da sociedade brasileira com seu Estado é um despotismo democrático, questão que pretendo abordar futuramente, o que significa que o controle de partes do Estado é fundamental no processo revolucionário. Ainda assim, este nunca pode ser pleno, dado os limites de um Estado essencialmente conservador. Mesmo assim, devemos encarar este fato como o homem ao alçar vôo. O avião não rompe as leis da física; respeita-as alargando as fronteiras do homem que agora pode alçar vôo. Dentro dos limites de seu próprio espírito, o homem pode usar seus grilhões para emancipar-se.